Nos anos 60, o artista plástico vanguardista Andy Warhol profetizou que “um dia, todos terão direito a 15 minutos de fama”. Décadas depois, no pico da internet, das redes sociais, da vigilância algorítmica, da busca pela curtida, esse futuro tornou-se distópico e muitos são aqueles que anseiam por seus 15 minutos de privacidade.
Um desses fenômenos pós-modernos que nem Warhol podia imaginar foram os memes, que transformam em piadas virais os rostos de pessoas comuns. Entretanto, é fácil esquecer que por trás de cada imagem de um rosto “engraçado” com palavras escritas em cima existe uma pessoa que não pediu para virar meme.
Hide the Pain Harold / András Arató
Em novembro desse ano, András Arató escreveu uma coluna no jornal The Guardian narrando sua experiência sobre como foi se transformar em um meme contra a vontade. Você pode nunca ter ouvido falar no nome desse húngaro com 40 anos de experiência profissional em Engenharia. Para a internet inteira, ele é apenas o homem que sorri, escondendo uma suposta dor interior. Seu meme é utilizado para todas aquelas situações desagradáveis em que nós continuamos a sorrir, mesmo sofrendo por dentro.
Embora Arató tenha cedido sua imagem para uma série de fotografias que fariam parte de um banco de imagens, ele nunca imaginou que seu rosto seria escolhido pela consciência coletiva da web para virar meme. Depois de um período de preocupação com a situação, em que páginas e perfis na internet se apropriaram indevidamente de sua imagem e pretendiam ser o verdadeiro ser humano por trás do personagem, o engenheiro assumiu o meme, Ele criou uma página pessoal, participou de comerciais de televisão, viajou, fez palestras no mundo todo e virou tema de música.
Também estamos usando o meme para o bem. Queremos que seja mais do que apenas um sorriso triste. Sou o rosto de uma campanha para um serviço de saúde mental na Hungria, semelhante aos samaritanos no Reino Unido. Tenho orgulho de que algo mais tenha surgido nos últimos 10 anos do que apenas um sorriso idiota. (…) Na verdade não sou um cara triste – acho que sou um pouco feliz.
First World Problems / Silvia Bottini
O caso da atriz Silvia Bottini é outro exemplo de uma foto de banco de imagens que não saiu como esperado. Apesar de ter uma carreira, suas lágrimas falsas se tornaram até o momento o seu trabalho mais conhecido. A foto foi tirada por seu namorado, um profissional de bancos de imagens, durante uma viagem para a China em 2008. Ele pediu que ela ensaiasse uma cara triste e chorasse e foi a deixa para se tornar um meme que simboliza problemas banais, de pessoas que tem tudo, mas se aborrecem com miudezas.
Demorou três anos para o meme nascer, nas mãos de um autor desconhecido. Nem sempre o uso do meme é respeitoso com ela ou mesmo com as mulheres e isso incomoda Bottini. Apesar de nunca ter feito um centavo com o meme, ela trabalha agora em um filme que irá contar sua experiência de um ponto de vista humorístico.
Por um longo tempo, eu desejei que isso nunca tivesse acontecido. Na verdade, eu estava pensando em uma pessoa que amei que acabara de morrer quando a foto foi tirada. Como atriz, eu estou acostumada a ter que aproveitar minhas emoções para o trabalho, então não me incomoda que meu momento particular de luto tenha sido usado para a imagem, mas é o modo como foi usado [como um meme], que me chateou.
Blinking Guy / Drew Scanlon
Drew Scanlon viveu à margem do seu meme por anos. O GIF animado dele piscando vem sendo utilizado como uma demonstração de perplexidade, confusão, a reação de quem não acredita no que está vendo. Ele não participou da criação do meme, não entende sua popularidade e tampouco utilizou o GIF. Durante sua passagem pelo site Giant Bomb, em 2013, em meio a um streaming de jogos, um colega de trabalho fez uma piada ruim, Scanlon reagiu com a expressão e nascia um meme ali.
Entretanto, em setembro desse ano, Scanlon quebrou o silêncio e utilizou o meme pela primeira vez no Twitter. Se a fama indevida veio, por que não empregá-la em prol de uma boa causa? Após dois amigos serem diagnosticados com esclerose múltipla, o rosto por trás do meme embarcou em uma jornada para arrecadar fundos para uma entidade que combate a doença. Essa campanha envolveu a criação de uma URL em cima do meme, uma maratona de ciclismo e uma convocação para todas as pessoas que se divertiram com a imagem algum dia.
Eu nunca usei o meme antes porque eu sentia como se eu não fosse o dono. A internet criou isso e encontrou essa forma engraçada de utilizá-lo (…) Peço-lhe humildemente que considere fazer uma doação à National MS Society. Significaria muito para mim e para aqueles que conheço afetados pela doença!
Disaster Girl / Zoe Roth
Ela é um dos memes mais antigos da internet, tendo aparecido em 2014 e nunca completamente esquecido: o rosto aparentemente diabólico de uma menina sorrindo diante de um incêndio. Zoe Roth tinha apenas 4 anos de idade e seu pai havia acabado de comprar uma câmera nova e queria testar. Ele levou a filha para dar uma volta na vizinhança e encontrou os bombeiros fazendo um treinamento em uma casa abandonada. Sem saber o que estava acontecendo, indecisa entre ficar preocupada com o fogo e sorrir para seu pai, a pequena Zoe protagonizou uma reação que incendiou a internet.
A foto chegou a ser publicada no site de um concurso de fotografias e impressa quatro anos depois, quando sua popularidade finalmente saiu do controle. Porém, de uma forma geral, a vida de Zoe não foi afetada pela repercussão e poucas pessoas próximas a reconheciam na escola. Os direitos de uso da imagem acabaram sendo comprados por uma empresa de publicidade e os ganhos ajudaram a custear seus estudos.
É divertido quando eu encontro pessoas e vejo as reações delas quando conto sobre meu passado meme. Essa é a minha coisa favorita sobre isso. Além disso, isso não afetou muito minha vida – as pessoas não me reconhecem pela imagem, por que eu era criança. Mas o dinheiro ajudou, é claro.
Menina Chique / Fabiana Santoro
Aqui no Brasil também existem casos de pessoas que viraram memes contra sua vontade e Fabiana Santoro está entre elas. Uma foto tirada em 2010, durante um passeio para a Disneylândia, quando ainda tinha dez anos, ressurgiu na internet na forma de um meme involuntário que simboliza se dar bem em uma determinada situação ou um sinal de ostentação. De certa forma, Santoro pode ser apontada como a origem do meme, ao postar a foto de sua infância em uma rede social em 2015. Entretanto, ela nunca poderia imaginar a proporção que a imagem tomaria na web.
A brincadeira virou preocupação quando ela descobriu que lojas virtuais até mesmo no exterior estavam utilizando sua imagem para fins publicitários e algumas estavam até mesmo comercializando réplicas da blusa que ela veste na foto. Fabiana Santoro procurou ajuda na Justiça para combater a prática e as vendas. Uma loja no Brasil parou de vender a blusa após um contato amigável e não será processada, mas outras empresas, inclusive nos Estados Unidos, estão sendo acionadas.
Estar na internet não faz com que a imagem seja de domínio público e não diminui em nada a proteção legal. Nem uma loja nem ninguém pode pegar a imagem de alguém, ainda que seja um meme, e torná-la um produto, tirando proveito econômico disso. (…) Nunca me importei com as pessoas usarem minha foto como meme. Mas quando vi que estavam ganhando dinheiro com ela, isso me incomodou muito.”
Te Sento a Vara / João Nunes Franco
Um caso brasileiro que também foi parar nos tribunais não é nada engraçado e envolve a imagem do idoso João Nunes Franco, de 92 anos. O início foi bastante inocente: um blog do município de Campo Alegre (GO) solicitou e obteve a autorização de João para publicar uma imagem antiga, de 1977, para celebrar a história dele e de outros moradores locais. Porém, a foto tomou rumos inesperados na internet e foi adotada por páginas humorísticas para criar o meme “Te sento a vara”, em que o sisudo retrato do senhor passou a ser “editado com frases depreciativas e preconceituosas”, de acordo com a sentença judicial.
Um dos sites humorísticos, que adotava o nome do meme e chegou a atingir 6 milhões de seguidores, foi condenado na Justiça a indenizar João Nunes Franco no valor de 100 mil reais. Foram criados perfis no Instagram, Twitter e Facebook com a imagem do morador de Campo Alegre e comercializadas camisas, bonés e outros itens com o meme. O proprietário do site alega desconhecer que a foto não era de domínio público e, desde o inicio do processo, substituiu o retrato do agricultor com uma caricatura de si mesmo.
Eu mesmo fiquei muito revoltado na época. Não tinha maneira como parar(…) Eu não faço graça com a cara de ninguém. Por que estão fazendo com a minha?