Nomes como Fez, Thomas Was Alone, Braid e Threes são facilmente reconhecíveis por quem acompanha a cena dos jogos independentes, títulos criados e desenvolvidos fora do esquema das grandes desenvolvedoras e geralmente frutos da mente criativa de um ou dois artistas. E Minecraft é facilmente reconhecível por qualquer ser humano do planeta, embora também tenha sido gerado fora do esquema das grandes desenvolvedoras e seja fruto inicialmente da mente de um único homem.
Mas existe outro conceito, este tirado da indústria da música, que todos conhecem: o one-hit wonder, ou banda de um sucesso só. É aquele grupo ou artista que lança uma única faixa na carreira que os catapulta para a fama e o topo das paradas. Mas, infelizmente, nunca consegue repetir o feito, ainda que em muitos casos siga lançando álbum após álbum e se apresentando em espaços cada vez menores.
E o medo de se tornar um one-hit wonder está muito forte entre os principais expoentes da cena independente.
Bithell estava sozinho
Quando Mike Bithell lançou o jogo Thomas Was Alone, ele trabalhava sozinho e não tinha qualquer certeza se sua empreitada daria algum proveito. Em entrevista para o The Verge, ele afirmou que esperava, na pior das hipóteses, que as vendas do jogo pudessem lhe garantir um dinheirinho para comprar um iPad novo. Apenas em seus sonhos mais loucos, seu primeiro jogo poderia render o suficiente para largar seu emprego.
Thomas Was Alone vendeu um milhão de cópias. Bithell jogou tudo para o alto e resolveu investir no seu talento. Mas, como ele mesmo define, “é definitivamente mais fácil criar jogos quando ninguém está olhando”.
O mesmo mecanismo que afeta bandas e artistas do cenário musical também se manifesta aqui. Como se tratam de trabalhos autorais, gerados de uma forma mais intimista e longe dos processos industriais das desenvolvedoras AAA, o resultado do jogo depende do tempo dedicado e da efervescência das ideias. Artistas iniciantes tem um longo tempo para desenvolver seu trabalho, burilando no dia a dia, removendo arestas, ensaiando, testando, até o produto final estar finalmente pronto e polido. É um processo que pode levar anos até o artista “estourar do nada”. Após o sucesso, o trabalho seguinte é realizado em outra condição diferente do original: o tempo é mais escasso, as responsabilidades maiores, a pressão é incomensurável.
“Muito rapidamente, a pressão começa a crescer, porque você percebe que quando você colocava um trailer no ar, as pessoas ficam logo ansiosas a respeito e começam a falar sobre”. O próximo jogo de Bithell foi Volume. Desta vez, o desenvolvedor comandava um time de 25 profissionais e o custo de produção foi muito maior. Volume acabou atrasando um ano, mas foi lançado no começo de Agosto. Infelizmente não atingiu ainda o impacto de Thomas Was Alone e talvez nunca consiga.
Apostando todas as fichas
Jonathan Blow se tornou mundialmente famoso (pelo menos dentro do seu nicho) ao lançar Braid, um título independente de plataforma com uma história para contar. Para muitos, Braid é considerado a pedra fundamental da cena indie. Blow investiu 200 mil dólares do próprio bolso em sua produção. Arrecadou 4 milhões de dólares e fundou um modelo de desenvolvimento.
Em seguida, o criador comprou um Tesla Roadster por 150 mil dólares. Não era o início de uma onda de gastos extravagantes. Era o fim. Cada centavo do resto do dinheiro arrecado com a venda de Braid foi investido na produção independente de seu próximo jogo. Hoje, Jonathan Blow está quebrado, dependendo de empréstimos. Se o sucessor de Braid naufragar nas vendas, será o fim da carreira do desenvolvedor de jogos.
The Witness precisa vender mais do que Braid para que consiga se pagar. Para Blow, não se trata de repetir o sucesso anterior, mas superá-lo. O maior mercado de Braid foram jogadores de Xbox 360 e PlayStation 3. O título ainda vende, mas cada vez menos, em duas plataformas que estão se aposentando. Já não dá mais para cobrir as despesas do dia a dia seis anos depois.
Desse tempo todo, todos foram dedicados à produção de The Witness. O jogo, que é fortemente inspirado em clássicos do passado, como Myst, promete 677 enigmas, mas esse número pode aumentar. O desenvolvimento está atrasado. O relógio corre contra Blow. Mas o desenvolvedor não está preocupado: “daqui a 20 anos, eu não vou ligar se levou seis meses a mais ou um ano a mais de desenvolvimento; eu vou ligar para a qualidade do jogo que as pessoas vão jogar. Seria uma vergonha sacrificar um pouco desta qualidade apenas para espremer o jogo um pouco mais cedo”.
Uma lição que algumas desenvolvedoras AAA poderiam aprender.
Medo e Tristeza
Enquanto Blow e Bithell cruzam os dedos para o futuro de seus segundos jogos, outros acabaram se afastando da cena.
Para Asher Vollmer, criador do sucesso móvel Threes (iOS | Android), “eu estou plenamente convencido de que eu nunca irei fazer nada como Threes novamente”. Vollmer chegou a tentar desenvolver um título chamado Close Castles. Não seria para plataformas móveis e seria o mais diferente de Threes do que ele conseguiria fazer. “A pior coisa que eu poderia fazer seria lançar outro jogo minimalista, abstrato para smartphones. Porque ele seria comparado com Threes incessantemente e provavelmente não seria de forma favorável”.
Close Castles foi colocado na geladeira logo depois de anunciado. Não está formalmente cancelado e Vollmer ainda trabalha nele de vez em quando. Mas não sabe quando poderá lançá-lo. Simultaneamente, trabalha com outras ideias. Além de ainda corrigir bugs em Threes. Apesar da falta de foco, Vollmer sabe que chegará o dia em que um destes projetos ganhará vulto e precisará de sua atenção integral. E teme esse dia. “Eu não sei como fazer isso e eu tenho medo de ganhar atenção novamente”.
O horror dos holofotes e a incapacidade de lidar com o público, seja para o bem ou para o mal, provocaram o cancelamento de Fez II, depois de um rompante de raiva de seu criador Phil Fish. De personalidade excêntrica, Fish se viu no centro das atenções por um longo tempo durante o desenvolvimento de Fez. Prêmios conquistados antes mesmo do jogo ficar completamente pronto, atrasos, uma recepção calorosa de parte da audiência e um vendaval de opiniões polêmicas sobre a indústria transformaram Fish em uma espécie de celebridade da cena indie. Com todos os altos e baixos que acompanham celebridades, quando a fama suplanta a figura humana. Com uma mensagem curta em 2013, depois de um longo bate-boca com “fãs” e “trolls” pela Internet, Fez II foi cancelado. Phil Fish sumiu de volta para a obscuridade, vestindo o manto de one-hit wonder, talvez para sempre.
O mesmo horror dos holofotes também afastaria Markus “Notch” Persson de seu incomensurável sucesso chamado Minecraft. A princípio, o desenvolvedor colocou uma distância entre si mesmo e a Mojang, delegando à sua empresa a tarefa de dar manutenção ao jogo e criar novas funcionalidades. Depois, venderia a marca por uma cifra bilionária para a Microsoft e escreveria uma longa carta de desabafo. Notch pretendia voltar a fazer pequenos experimentos em termos de jogos, sem a pressão de construir um sucessor de Minecraft. Esse plano também não deu certo e o homem que um dia criou um título jogado no mundo inteiro, agora parece estar sem rumo: “o problema em se conseguir tudo é que você fica sem motivos para continuar tentando, e as interações humanas se tornam impossíveis devido ao desequilíbrio”. Ele também reclama que todos na Mojang agora o odeiam.
Marketing é tudo?
Quando Dan Marshall lançou Gun Monkeys no mercado, ele pensou em ignorar por completo o marketing. “Houve tantas coisas erradas que eu fiz para promovê-lo”, se arrepende o desenvolvedor. “É uma das vantagens de ser um desenvolvedor independente, você tem uma fantástica oportunidade de experimentar coisas novas. Uma das coisas que eu tentei foi ‘ei, vamos ver o que acontece quando você simplesmente lança o jogo'”.
Sem publicidade, sem divulgação, Gun Monkeys vendeu pouco, apesar das boas críticas. Conseguiu pagar seu desenvolvimento, mas a falha na promoção do jogo divulgou para os jogadores encontrarem parceiros para jogar, já que o título é exclusivamente multiplayer. Com uma base pequena de usuários, poucos jogam. Com poucos jogando, ninguém recomenda. Sem recomendações, o título atrai pouca gente e o ciclo vicioso está formado.
Para The Swindle, Marshall optou por trabalhar com uma empresa de relações públicas. E desistiu da ideia de fazer um jogo que dependa de uma base de usuários para funcionar bem.
Mas será que marketing faz mesmo a diferença? Para a dupla independente Tale of Tales, não houve qualquer impacto. A modesta desenvolvedora formada por Auriea Harvey e Michaël Samyn já tinha currículo na praça por ter produzido dois títulos artísticos anteriormente: The Path e The Endless Forest. Mas estava determinada a produzir um jogo com um pouco mais de apelo comercial, de ir atrás de um público mais amplo.
Para o projeto que viria a ser Sunset, a dupla estudou títulos similares com boas vendas para adicionar elementos que poderiam tornar o trabalho mais palatável para uma parcela maior de jogadores. Além disso, contrataram uma empresa de publicidade para promover o título e pagaram anúncios em sites especializados de jogos. Nas palavras deles, a primeira ideia “não afetou muito o tamanho da audiência”, a firma de relações públicas “não ajudou muito nas vendas” e, sobre os anúncios publicados, “todos devem estar usando AdBlock porque não teve também qualquer efeito na audiência”.
Sunset vendeu míseras 4000 unidades. Dado o investimento que a Tale of Tales fez em propaganda, que aumentaram os custos de produção bem acima de seus jogos anteriores, o jogo deu prejuízo. A Tale of Tales optou por desistir de criar jogos comerciais e abriu um Patreon para continuar desenvolvendo títulos fora do convencional: “nós realmente fizemos nosso melhor com Sunset. E nós falhamos. De forma que isso é algo que não precisamos fazer novamente. A criatividade ainda queima vorazmente em nossos corações, mas não achamos que iremos fazer jogos eletrônicos depois disso”.
O Sol não brilha para todos da mesma forma, mas brilha
Os desenvolvedores de ibb & obb fizeram recentemente algo que pouquíssimos membros da indústria eletrônica fazem: compartilhou dados detalhados de suas vendas no Steam em 2014. O panorama pintado já era suspeitado por alguns, mas agora está comprovado: promoções a preço de bananas são a chave para se fazer algum dinheiro na loja virtual da Valve.
Nas primeiras três semanas após o lançamento, o jogo conseguiu vender 5800 cópias. Esse pico de vendas é atribuído à visibilidade no Steam, quando o jogo ganha um grande destaque na vitrine da loja e aparece também na lista de jogos recentes.
Passado esse período, o jogo afunda nas vendas. Para se levantar novamente na Summer Sale, quando ibb & obb foi vendido com os mesmos 20% de desconto do lançamento. Em apenas 11 dias de liquidação, foram comercializadas outras 1700 cópias.
O jogo teria outro pico de vendas durante um Daily Deal, quando foi descontado em 50% um mês depois da Summer Sale. Em apenas dois dias de promoção, ibb & obb vendeu 6000 cópias, mais do que nas primeiras três semanas de lançamento e quase 4 vezes a marca da Summer Sale.
Fora do período de promoção, as vendas estagnam, com uma média de 31 cópias vendidas diariamente:
O próximo pico de vendas veio quando o jogo foi incluído em um Humble Bundle. Foram vendidos 22 mil pacotes incluindo ibb & obb. Destes apenas a metade das licenças foi ativada, provando que talvez parte da audiência tivesse interesse, na verdade, em outros jogos da seleção. Apesar das 11 mil ativações, quase o equivalente aos três picos anteriores somados, o faturamento da desenvolvedora foi baixo, uma vez que a arrecadação é dividida entre todos os participantes do Bundle, parte é destinada à caridade e outra parte fica com os organizadores do Humble Bundle. Ainda assim, foi uma entrada de verba significativa para os cofres dos criadores de ibb & obb.
O jogo voltaria a ter um último pico em 2014, durante a liquidação de fim de ano do Steam. Outras 4 mil cópias foram vendidas pela metade do preço e ajudando a compor o faturamento anual da desenvolvedora.
ibb & obb não foi um gigantesco sucesso comercial, como os one-hit wonders do cenário, mas sabendo administrar descontos e promoções, seus criadores conseguiram arrecadar o suficiente para se manterem sustentáveis com razoável folga. Tirando o valor promocional de lançamento, apenas com outros descontos, 68% do faturamento veio desta forma. Segundo o desenvolvedor Richard Boeser: “eu gostaria que estes números fossem menos dependentes de promoções e parece esquisito ter que se juntar ao circo dos descontos para ser capaz de sobreviver. Se as vendas não secarem e nós conseguirmos estar em algumas promoções decentes nós seremos capazes de sobreviver por outro ano trabalhando em novos jogos. No final, isso é tudo que nós realmente queremos.”