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Bill Campbell: a peça escondida do mundo da tecnologia

Em 1961, Bill Campbell não era conhecido por ninguém além de um seleto grupo de entusiastas.

O jovem atacante prodígio do futebol americano pela Columbia University colocou o nome da sua instituição no pódio da Ivy League, liga local do esporte.

A Columbia nunca tinha chegado lá, desde a fundação da liga em 1954. Campbell era o capitão do time.

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Bill Campbell, à esquerda.

Naquele momento, o jovem Campbell sabia o que queria ser: um treinador. Seu pai havia sido. Seu treinador, o lendário Buff Donelli, foi outro exemplo. Se formou bacharel em Economia, conseguiu um mestrado em Educação. Mas treinador foi aquilo que Bill Campbell se tornou pelo resto de sua vida.

Mas não de futebol americano. Entre 1974 e 1979, quando dirigiu o time dos Columbia Lions, nunca venceu uma temporada. Seu caminho não era aquele.

Em 18 de Abril de 2016, Bill Campbell “faleceu pacificamente durante seu sono após uma longa batalha com o câncer”. Tinha 75 anos. Seu nome, mais uma vez não era conhecido por ninguém além de um seleto grupo de entusiastas. Mas, ele havia treinado Steve Jobs, Mark Zuckerberg, Larry Page, Jack Dorsey e diversos outros nomes do Vale do Silício que tinham nele a figura de um mentor querido.

Um tributo no site da Apple serve de testemunho para o seu valor secreto na indústria da tecnologia: “ele acreditou na Apple quando poucas pessoas o fizeram e sua contribuição para nossa empresa, através dos bons tempos e dos maus, não pode ser subestimada. Nós iremos sentir falta de sua sabedoria, sua amizade, seu humor e seu amor pela vida”.

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Como ele chegou nessa posição? Perseverando.

É importante destacar que em 1979, William Campbell tinha 39 anos, uma carreira encerrada de treinador sem nenhuma glória e nenhuma perspectiva pela frente. Era necessário se reinventar. Um contato no futebol o encaminhou para uma vaga de marketing em uma agência de publicidade. A partir dali foi parar na Kodak e depois terminou na Apple e ali encontrou seu lugar.

“O primeiro Mac era fenomenal. O que ele fez foi tornar a computação acessível. Era o que chamávamos de ‘a democratização do computador pessoal'”, revelou o próprio Campbell em uma entrevista em 2007. Na empresa, ele se tornou o Vice-Presidente de Marketing. Defendeu com unhas e dentes a veiculação do primeiro anúncio da Apple no Super Bowl. O quadro de diretores não gostou do anúncio. Campbell desafiou e se tornou história.

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O executivo ainda se tornaria chefe da divisão da Claris dentro da Apple, de onde sairia por discordar do destino que a divisão teria nos planos da empresa.

Mas Campbell retornaria triunfante pela porta da frente, a pedidos do próprio Steve Jobs, que também havia voltado para ocupar o trono em 1997. Era o renascimento da Apple e Campbell foi nomeado diretor corporativo e membro do quadro diretor. Permaneceu nessa função até 2014, se tornando o executivo que integrou por mais tempo o quadro de diretores da Apple em toda sua história.

“Quando Bill se juntou ao quadro de diretores da Apple, a empresa estava à beira do colapso”, confessou Tim Cook em um comunicado oficial após o anúncio da aposentadoria do executivo. “Ele não apenas ajudou a Apple a sobreviver, mas ele nos conduziu a um nível de sucesso que era simplesmente inimaginável lá em 1997”.

Campbell, entretanto, era maior que uma única empresa. Nas palavras de Steve Jobs, “ele ama pessoas e ele ama cultivar pessoas”. Nos bastidores do Vale do Silício, ele era chamado carinhosamente de “O Treinador”. Como coach ou mentor, orientou sobrenomes como Jobs, Zuckerberg, Dorsey, Page, Schmidt e muitos outros.

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“Um homem com um coração imenso, que abraçava todo mundo que ele encontrava, foi mais do que um mentor”, escreveu Eric Schmidt no dia de seu falecimento. “Ele nos ajudou a construir o Google e em incontáveis maneiras tornou nosso sucesso possível… seu legado é o sorriso que ele criou nos rostos de todo mundo, e os grandes líderes do Vale do Silício a quem ele treinou. Bill era um homem verdadeiramente dotado e o mundo perdeu um grande líder essa manhã”.

Esse era o mesmo Eric Schmidt que uma vez escreveu no perfil de Bill Campbell no Google: “nossa estratégia básica é convidá-lo para tudo”.

“Quando eu falei com [um dos fundadores do Google] Larry Page pela primeira vez, eu perguntei a ele o que ele realmente estava tentando criar”, contou o próprio Campbell em entrevista. “E ele respondeu: ‘uma empresa de 100 bilhões de dólares’. Eu perguntei: ‘capitalização no mercado?’. Ele disse: ‘não, receita’. Assim, na lata. Pense nisso. Bem, aquilo significava que ele se importava um bocado em fazer algo grande. E, você sabe, ele e Sergey [o outro fundador do Google, Sergey Brin] começaram com uma vantagem tecnológica fundamental e uma filosofia que eles acreditavam que poderiam transformar em uma grande empresa e foi isso que eles foram capazes de fazer”.

Um outro consultor poderia ter puxado Larry Page para o chão, tê-lo feito encarar a realidade: “você só fez um algoritmo, vai com calma, rapaz”. Bill “Treinador” Campbell deu corda para o Google voar.

Nos anos 90, o “Treinador” foi convocado às pressas para Seattle pelo conselho diretor da Amazon. Pela frente uma difícil decisão: o conselho deveria afastar Jeff Bezos, fundador da empresa, do cargo de chefe-executivo. Na opinião dos diretores reunidos, Joseph Galli, COO da Amazon vindo da Black & Decker, era o mais adequado para a posição de CEO. Bill Campbell discordou. Para o experiente consultor dos consultores, Bezos era “simplesmente o cara certo para o papel de CEO”. Bezos ficou e ocupa essa posição até hoje.

Em 2011, em outra ocasião, Campbell viu dois discípulos prestes a entrar em um conflito que não seria benéfico para nenhum dos lados. Steve Jobs estava furioso com a entrada do Google no mercado de plataformas móveis, considerava a iniciativa uma traição e queria declarar guerra ao Android. Na época, Campbell chegou a ser acusado por Jobs, em um de seus conhecidos rompantes, de estar trabalhando para as duas empresas e estar ferindo ele. Campbell respondeu: “eu não sei HTML, qual é?! Eu sou estou guiando eles para dirigir sua empresa melhor”. No final, Campbell ligou para os dois lados, estabeleceu uma trégua entre Apple e Google e seguiu trabalhando para ambas.

No último ano de vida de Jobs, Campbell esteve quase todos os dias ao lado do executivo, com quem fazia caminhadas pela vizinhança de Palo Alto, um hábito que Jobs cultivou até o fim.

William Vincent “Bill” Campbell, Jr.se foi. Mas suas lições e influências permanecem impregnadas no DNA de grande parte das empresas de tecnologia que moldam o mundo moderno. Sem ele, o mundo da tecnologia atual não existiria da forma como está.

Eu não sou inovador. Eu apoio a inovação. Não há uma ideia de produto que eu já tenha tido que valha alguma coisa. Mas o que eu farei é ter certeza de que as pessoas certas estão na sala e que o lunático tenha uma oportunidade de contribuir. Eu posso te dizer isso: engenheiros empoderados são a coisa mais importante que você pode ter em uma empresa”.

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O Treinador: 31 de Agosto, 1940 – 18 de Abril, 2016