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Brasil dos jogos: Invent4

O mercado de jogos eletrônicos nacionais explodiu nos últimos anos, com novos títulos chegando às prateleiras digitais em ritmo acelerado. Essa série busca traçar um perfil de alguns destes desenvolvedores brasileiros que lutam por um espaço nesse mercado em ascensão.

O nome Invent4 pode não evocar muitas lembranças à primeira vista mas é um estúdio formado por veteranos da indústria que já estão há quase vinte anos “perseguindo o sonho”, como mesmo diz um de seus fundadores, o desenvolvedor Augusto Bulow. Seu título recente mais conhecido é o fenômeno Bad Rats: The Rats’ Revenge, disponível no Steam desde 2009, mas comentado até hoje.

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O controverso Bad Rats: the Rats’ Revenge divide opiniões, mas segue vendendo como água no Steam, anos depois do seu lançamento.

Mas a Invent4 já teve outro nome no passado: Espaço Informática, pioneira da cena gaúcha, com diversos títulos em seu catálogo. Tivemos a oportunidade de conversar com Augusto Bulow sobre essa longa trajetória, o presente e os planos para o futuro.

1) Vocês estão na ativa pelo menos desde 1999. Como surgiu a ideia de trabalhar com jogos eletrônicos?

Fomos criados na geração dos primeiros videogames, dos primeiros computadores pessoais.

Um mundo mágico se colocava em nossa frente. A fascinação foi imediata. Meu pai sempre nos disponibilizou acesso a essas tecnologias emergentes, e o caminho então foi se criando ao natural.

Criar jogos é trabalhar com criatividade, contar histórias, gerar diversão. Esses foram os principais aspectos na escolha da carreira: um trabalho criativo, tecnológico, um sonho.

2) Como começou sua relação pessoal com os jogos eletrônicos? Quais são suas influências?

O antigo Atari foi nosso primeiro artefato. Na sequência fomos apresentados à computadores como TK 82, Sinclair e depois MSX. Em todos eles tínhamos jogos, armazenados naquela época em fitas K7. Depois apareceram os PCs, e tive a oportunidade de acompanhar toda essa evolução monstruosa passando pelo 286, 386, 486, Pentium até os dias atuais com oito processadores em conjunto, e aceleradoras 3D. Joguei muito em telas verdes, 2 cores, 16 cores, 256 até chegar nos games realísticos atuais. As influências vêm de toda essa caminhada.

3) Pouca gente sabe, mas a Espaço Informática foi pioneira na indústria nacional e uma das primeiras a conseguir colocar um jogo lá fora, com Hades 2. Conte um pouco sobre o desenvolvimento do jogo e sua recepção.

Verdade, nosso primeiro jogo Hades2 foi criado entre 1998 e 2000. Foi um tiro no escuro, perseguir um sonho. Como uns caras no interior do Rio Grande do Sul achavam naquela época que conseguiriam vender seus jogos mundo afora? Acreditamos na ideia, aprendemos em cada processo e trabalhamos muito. Erramos. Acertamos. Passamos por todas as dificuldades possíveis. O mundo era diferente, os jogos eram vendidos em caixinha, em lojas físicas. A internet ainda dava os primeiros passos.

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Cena de Hades 2.

No final do processo de dois anos de desenvolvimento, veio a recompensa pela insistência, pelo esforço. Fechamos nosso primeiro jogo, e conseguimos vendê-lo no mercado nacional, e também em alguns países no exterior. O jogo foi nosso cartão de visitas, mostramos qualidade, capacidade, e então conseguimos outros projetos. Aqueles carinhas no interior conseguiram, e agora tinham seus jogo rodando pelo mundo.

4) Por que a Espaço Informática deu à luz à Invent 4 Entertainment? Foi uma busca maior pelo mercado externo?

A caminhada é longa, são quase 20 anos trabalhando com games. Muita coisa mudou no mercado, na tecnologia, e algumas adaptações sempre são necessárias para se continuar no jogo. A reformulação de ideias, de visão fazem parte do processo, que ainda continua vivo, e em mutação.

5) Bad Rats foi do Inferno ao Paraíso: considerado um dos piores jogos do Steam segundo a imprensa especializada, acabou se tornando um fenômeno de popularidade. Como vocês encaram isso?

Bad Rats é isso. É um jogo polêmico, foi planejado para ser assim. Poderia talvez ter sido proibido, censurado. Imagine um jogo onde a premissa básica é matar gatos. Isso já tira o jogo da lista de muita gente. Alguns personagens como o Rato Bomba também dão pano à muita discussão.

O gênero do jogo no fundo é comédia. A ideia dele é divertir. E nesse sentido encontramos nosso público, que encontrou algo diferente, que só poderia ser encontrado mesmo em um jogo independente, criativo, como Bad Rats.

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Os ratos tomaram conta e o gato não tem a menor chance…

Definitivamente não é um jogo para agradar à todos. Algumas pessoas adoram, muitas odeiam, e estamos completamente ok com isso.

A qualidade do jogo foi suficiente para despertar o interesse de vários publishers, e ser aprovado pela equipe do Steam (naquela época, um feito). Entrando no Steam (acredito que foi o primeiro jogo brasileiro lá), o jogo ficou ao lado de outros grandes jogos, de orçamentos milionários. Daí claro, alguma comparação natural. Compare este jogo de orçamento de 2 milhões, feito por duzentas pessoas, com este outro feito com 20 mil e duas pessoas. Cada um é livre para fazer suas comparações e expressar suas ideias – e nós respeitamos isso.

O fenômeno Bad Rats passa por todos estes aspectos: é um estranho no ninho, a ovelha negra, o Paraíso ou o Inferno – você escolhe. No fundo tudo depende apenas do ponto de vista.

6) Mas, então, Razor2: Hidden Skies não teve uma recepção tão calorosa da comunidade de jogadores… o que deu errado?

São projetos completamente diferentes. Talvez Razor2 não apresentou isso que Bad Rats tem de sobra: estranheza, surpresa. Austin Powers talvez diria “Mojo”!

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Faltou aquele “tchan” para o jogo de batalha espacial…

7) Bad Rats Show está repetindo a performance do jogo original? No que ele difere do jogo anterior?

Bad Rats Show teve um início intenso, e vai andando bem sem seus primeiros passos. O jogo segue a linha do anterior com novos ingredientes, novos personagens, e elementos que acreditamos, fazem ele diferente do Bad Rats original. Mas principalmente, sem perder a essência.

Claro, no fundo ainda é um jogo de baixo orçamento, criativo, com humor bizarro, e diferente da “ordem normal”. Não vai agradar a todos.

Como falei, mantemos a essência.

8) Quais ferramentas foram empregadas no desenvolvimento de Bad Rats Show?

A principal ferramenta é a Unity3D, que é o motor utilizado no jogo. Outras ferramentas normais no processo incluem editores de imagem, editores 3D. Somos amigos do Blender por aqui.

9) FPS, simuladores, jogo de nave e puzzles: todos esses gêneros já foram explorados por vocês nessas quase duas décadas. Mas há um gênero favorito? Ou um gênero que gostariam de experimentar?

Queremos experimentar. Inventar. Não nos prendemos a gêneros específicos, estamos em busca de ideias criativas, e jogos que possam divertir milhares (ou milhões) de pessoas.

10) Há planos para buscar outras plataformas? Ou dispositivos móveis?

Sim, claro. Esperamos muito tempo para entrar nos dispositivos móveis. No começo a resistência era pela baixa qualidade dos dispositivos. Parecia que íamos dar um passo atrás, jogos 2D, com memória limitada, recursos mínimos. Claro, isso no começo. Hoje os dispositivos têm muita qualidade, são um computador no bolso das pessoas. Talvez tenhamos demorado, e perdido um pouco esse timing. Mas estamos aí, nos corrigindo, nos reinventando. É sempre necessário.

O fato é que têm jogo novo saindo em breve para dispositivos móveis. É o nosso projeto atual de trabalho. O nome ainda não está fechado, mas por hora chamamos o projeto de “Animal Pinball”, ou “Fat Rat Pinball”. Esta ficando bem divertido.

11) Como alguém que atravessou tanto tempo no mercado, você acha que ainda há muita resistência do público brasileiro contra jogos nacionais ou isso vem mudando?

Penso que as pessoas não querem saber se o jogo foi feito no Brasil, nos EUA ou na Coreia.

Acho que as pessoas querem bons jogos, que proporcionem um bom divertimento. E esse é o centro.

No fundo é possível que a gente não saiba exatamente onde os jogos que jogamos foram produzidos. O mercado é global. Acho que não é a nacionalidade do jogo que deve mudar nossa maneira de avaliar um produto. Se o jogo é bom, ele irá encontrar seu sucesso – independente de onde ele foi feito.

12) Quais são seus planos futuros? Haverá um Bad Rats 3 ou mesmo um Hades 3 no horizonte?

O plano é continuar seguindo o sonho, criar jogos criativos, diferentes, que proporcionem diversão para as pessoas. Estamos com alguns jogos mobile à caminho, esse é nosso futuro imediato.

Bad Rats3, pelo ciclo dos planetas, deve levar mais uns 6 anos para acontecer.

Hades3 está na lista também, ansioso, aguardando sua oportunidade de sair da gaveta.

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Um dos papéis de parede para computador de Hades 2. O domínio infelizmente já não existe mais.

13) Há um intercâmbio entre vocês e outros desenvolvedores nacionais?

Sim, algum intercambio, muitos contatos, mas não somos os mais presentes em eventos e associações por aí. Seguimos um caminho mais como “artesãos independentes” no mundo digital.

14) Como você vê o cenário dos jogos nacionais nos próximos dez anos?

O mercado é promissor, crescente, porém cada vez mais competitivo. Criar jogos hoje é relativamente fácil, as ferramentas atuais fazem isso possível para qualquer um que se interesse, que estude o assunto. Isso leva a uma produção crescente, temos muitos novos jogos no mercado, todos os dias – muita competição. É difícil fazer qualquer previsão para dez anos, mas penso que teremos cada vez mais empresas nacionais atuando neste mercado, e produzindo conteúdo. Um mercado mais sólido, mais visível.

15) Nas horas vagas, quais são os seus jogos preferidos?

Um pouco de tudo. Estou sempre de olho e testando novidades no iPad, Android e PC. Tenho jogado mais no Xbox atualmente, e no momento procurando mais jogos família, para jogar em dupla, e curtir com meu filho de 8 anos. Na preferência ainda rondam shooters, adventures e jogos de ação. Na história o velho “H.E.R.O.” do Atari, e o “The Day of the Tentacle” no PC, são jogos que considero entre os preferidos.