O mercado de jogos eletrônicos nacionais explodiu nos últimos anos, com novos títulos chegando às prateleiras digitais em ritmo acelerado. Essa série busca traçar um perfil de alguns destes desenvolvedores brasileiros que lutam por um espaço nesse mercado em ascensão.
A Lava Leak Games é a alcunha encontrada pelo desenvolvedor Bruno Araújo para, em suas próprias palavras, “vazar” sua criatividade. Com presença em algumas game jams, o emergente estúdio se prepara para o próximo grande passo: o lançamento de Diana, seu primeiro jogo comercial, uma aventura point-and-click ambientada na cidade de São Paulo e com a questão de gêneros funcionando como pano de fundo.
Conversamos com Bruno sobre como é começar uma carreira na indústria de jogos no Brasil e como é contribuir para uma comunidade melhor, desenvolvendo ferramentas e trocando ideias.
1) Como surgiu a ideia de trabalhar com jogos eletrônicos?
Desde pequeno como é a história de muitos desenvolvedores eu sempre gostei de jogos e de desenhar, eram duas coisas que andaram junto na minha infância e começo da adolescência. Mas por volta dos meus 17 anos comecei a estudar design gráfico, arranjei trabalho nessa área e depois fiz faculdade também de design, e acabei me afastando de qualquer ideia de fazer jogos, eu nem sonhava muito com isso, na minha cabeça eu tinha um pensamento de que fazer jogos era algo muito complexo, eu nunca tinha programado naquela época e pra mim 3D era algo de outro mundo.
Mas a ideia de trabalhar com isso surgiu na época que comecei a estudar 3D por conta própria (no ano de 2010) e descobri que não era tão complicado assim quanto eu achava, e junto veio o interesse de aprender programação por conta do software que eu uso ser o Blender que é um software de arte 3D de código aberto. Comecei estudando Python com um livro que um amigo meu me mostrou chamado “Como pensar como um cientista da computação“. Esse foi o começo da minha trajetória e foi o que ditou como trabalho hoje, tenho preferência e mais segurança em fazer jogos com arte 3D e gosto de trabalhar de forma multidisciplinar revezando arte e programação.
De 2010 até 2014 (que foi quando participei de minha primeira game jam) passei por um período de maturação dessa ideia, aprendi muito, mas na verdade ainda não sabia de nada.
2) Como começou sua relação com os jogos eletrônicos? Quais são suas influências?
Nessa mesma época que comecei a estudar, em 2011, fui influenciado por dois artistas brasileiros que trabalharam para a Ubisoft, o ilustrador Will Murai e o concept artist 3D Rafael Grassetti, isso me fez acreditar que eu era capaz também se me esforçasse como eles. Mas na mesma época por conta da explosão dos jogos em Flash que ocorreu um pouco antes começou a surgir o mercado indie no Brasil. Fora do Brasil Braid, Cave Story e Spelunky eram os primeiros exemplos do que eram esses jogos e eu gostei muito deles, e logo a imprensa brasileira começou a falar de alguns jogos que estavam sendo feitos aqui, o Oniken da Joymasher e Out There Somewhere da Miniboss eram os maiores destaques.
Esse movimento na indústria me influenciou bastante, me fez ver que eu poderia fazer parte dela, então continuei estudando nas minhas horas livres até conseguir desenvolver alguma coisa.
E enquanto eu estudava comecei a consumir jogos como nunca antes, foi a época que conheci muitos jogos que não conhecia e passei a acompanhar o que era falado de lançamentos.
3) Quem mais trabalha na Lava Leak Games?
Atualmente a Lava Leak é apenas eu, mas eu trabalho junto de alguns colaboradores.
A ideia da Lava Leak Games surgiu aproximadamente em 2014, quando eu queria publicar jogos autorais, mas não queria publicar com algo como Bruno Araujo Games, daí surgiu a ideia de Lava Leak que significado algo com um vazamento criativo, pois era assim que me sentia ao desenvolver somente nas horas vagas, era como se eu tivesse tanta energia acumulada para fazer isso que eu precisava de um vazamento.
Das pessoas que já trabalharam comigo estão Cassius Rocha do Tangerine Kisses que cedeu uma trilha composta por ele para eu trabalhar no jogo 500, e hoje no Diana estou trabalhando com algumas pessoas que tive a possibilidade de contratar, o Victor Peixoto, artista 3D e animador, Filipe Consolini, músico que está cuidando de todas as trilhas, Suzy Muniz compôs a letra de uma das músicas e ainda vai entrar mais gente para trabalhar em outras coisas.
4) No Life Here foi o seu primeiro jogo? Como foi seu desenvolvimento?
Ele foi feito durante uma game jam organizada pelos sites Kolks Games e o Ebuff Games, foi minha terceira game jam, eu já estava trabalhando na Rowbots na época e já tinha uma certa experiência. O jogo nasceu de uma ideia minha de fazer um jogo que fosse uma simulação dos jogos de PSX e como o tema foi Epidemia fiz um jogo de zumbis. No game design eu queria simplificar ao máximo, parti da ideia de que o jogo só teria os direcionais como comando e você morreria se encostasse em qualquer um dos inimigos.
O desenvolvimento foi tranquilo, em pouco tempo terminei a mecânica e trabalhei as texturas com no máximo 128 pixels de largura e altura para ser mais fiel ao PSX, fiz algumas animações bem simples e passei um pouco mais de tempo desenvolvendo as coisas que na época eram novidades para mim como a I.A. e os menus.
5) No Life Here tem seu código fonte liberado no Github e percebi uma preocupação em compartilhar ferramentas. Há uma forte integração da Lava Leak Games e a comunidade de criadores de jogos?
Eu gosto da ideia de compartilhar, porque foi assim que eu aprendi muita coisa, é uma maneira de devolver para a comunidade o que deram para mim.
Mesmo o No Life Here que tem um código bem precário em alguns aspectos, pode ser útil para alguém.
O quanto eu conseguir eu vou compartilhar.
6) Diplomata é um plugin desenvolvido por você para o Unity. Como ele funciona?
O Diplomata nasceu para eu desenvolver o jogo Diana que é um adventure point-and-click muito focado em diálogos.
No início queria trabalhar com uma estrutura semelhante ao Twine (tentei o Yarn e o Cradle), mas descobri que essa estrutura limita em alguns aspectos, nele é difícil ter uma visão geral de tudo que está acontecendo na lógica dos fluxos e trabalhar com variáveis não é nada prático. Percebi também que o esquema de nós que essas ferramentas usam não é algo essencial, podem facilmente virar um espaguete e ao invés de facilitar complica muito mais.
Eu fiz o Diplomata baseado no roteiro que eu estava escrevendo usando uma planilha do Google Docs, eu distribuía as falas em colunas da esquerda para a direita, apenas uma fala da coluna deveria ser dita por vez, chegando na direita a conversa acaba, mas voltando a falar com o personagem a conversa começa da esquerda para a direita novamente. Acho que é mais fácil de entender olhando uma imagem.
Essa foi a ideia inicial, mas acrescentei muito mais coisas que isso e ele se tornou um editor gigantesco para se usar em diálogos, integrado com inventário, com animações e sons.
Conforme fui tendo ideias do que precisaria acrescentar nele fui percebendo o quão ele poderia ser útil para pessoas que talvez tivessem as mesmas necessidades que eu, ou só quisessem fazer um adventure ou visual novel mais complexo de maneira mais fácil.
No momento ainda não tive tempo de fazer a documentação nem um projeto de exemplo como gostaria de fazer, por isso não divulguei para ninguém nem coloquei na Asset Store da Unity, mas já está funcional e estou sempre atualizando quando eu vejo que precisa.
7) 500 foi resultado da participação da Lava Leak Games em um Ludum Dare. Como foi essa experiência?
Foi uma loucura, rs, eu queria ousar um pouco mais nos meus projetos de game jam e queria aplicar uma ideia minha de um jogo onde o personagem ascende aos céus junto com a música.
Eu pensei no estilo de arte e comecei a fazer os assets e programar, foi um jogo um pouco mais complexo, mas foi o mais divertido de ser feito e acabou sendo o mais bem acabado dos que fiz, apesar que dá para melhorar muuuuuuuito!
8) Além do Unity, quais ferramentas são empregadas no desenvolvimento de seus títulos?
Em todos foram usados Unity porque das ferramentas que eu experimentei (Game Maker, libGDX, Unreal e Cocos2D) foi a que me senti mais seguro e a que mais me aprofundei.
Assim que eu terminar o Diana meu próximo projeto quero fazer usando a Godot Engine, game engine open source que se parece muito com Unity. Estou há algum tempo acompanhando o seu desenvolvimento e me lembra muito a comunidade do Blender, a forma como os desenvolvedores se empenham para fazer uma ferramenta open source ser altamente competitiva.
9) Diana é o primeiro jogo comercial da Lava Leak Games. Como ele será?
Ele será um adventure point-and-click que se passa em São Paulo no ano de 1984, e o objetivo do jogo é encontrar uma pessoa desaparecida.
Ele tem como mecânica apenas o inventário e as árvores de diálogos.
Minha ideia é de fazer uma história no mundo real, mas no mundo real que eu conheço melhor, por isso escolhi que ele se passasse no Brasil.
Além disso o jogo trata também de um assunto que é pouco abordado em jogos que é identidade de gênero.
Para quem quiser acompanhar peço que siga nas redes sociais do Lava Leak, no Facebook e Twitter que é onde mostro atualizações do desenvolvimento.
10) Há planos para investir no mercado móvel ou talvez nos consoles?
No móvel sim por conta do Diana, ele terá uma versão mobile, semelhante ao que a Telltale faz nos seus lançamentos.
Quanto a console eu preciso adaptar melhor algumas cenas do jogo para os controles, mas até então é algo longe de acontecer, preciso primeiro entrar na Steam e GOG.com no PC.
Mas no futuro espero sim ter a chance de lançar o Diana ou um próximo jogo para console.
11) Como tem sido a reação da comunidade de jogadores estrangeiros em relação a produção de vocês?
A única reação que tive contato de estrangeiros foi um gameplay do 500 pela Alice do Questionable Quality, ela elogiou bastante ele, e me fez atualizar algumas coisas no jogo, mas no momento não tive nenhum outro contato diretamente em relação aos jogos da Lava Leak.
12) Você acha que ainda há muita resistência do público brasileiro contra jogos nacionais ou isso vem mudando nos últimos anos?
Acho que a barreira está mais ligada aos jogos indies, pois a maioria dos jogos brasileiros não são prontamente identificados como brasileiros.
E vem mudando pelo que vejo de crianças principalmente perto da casa dos 8 anos, por conta dos gameplays de youtube eles enxergam jogos de celular e de computador de forma mais plana, sem diferenciar se é brasileiro, se é indie, se é mobile.
E até mesmo pessoas mais velhas que começaram a jogar na época do Playstation 2 já tem menos preconceito em comprar jogos indies do que pessoas que começaram a jogar antes.
E em relação a pessoas que dão menos valor para um jogo só porque descobre que foi feito por brasileiros, esse público na minha opinião não é relevante até ser reeducado e notar que existem jogos brasileiros bons e jogos brasileiros ruins e felizmente esse fator não é decisivo na qualidade do jogo.
13) Há um intercâmbio entre vocês e outros desenvolvedores nacionais?
No momento não muito, mas é muito bom ver algumas pessoas que eu admiro como a Thais Weiller da JoyMasher ou o Arthur Zeferino (Homem Barata) se interessando e elogiando o que temos feito no Diana. Por enquanto ainda não apresentei o Diana no Spin (evento de desenvolvedores que acontece todo mês em São Paulo) e não divulguei muito além das redes sociais, mais por conta de como o projeto ainda está em uma fase inicial, mas espero ter um bom retorno dos desenvolvedores assim que começar a divulgar mais, muito em breve.
14) Como você vê o cenário dos jogos nacionais nos próximos dez anos?
Com certeza um pouco mais competitivo em termos de dinheiro investido e equipes bem qualificadas. Estúdios grandes como a Aquiris, Behold e Hoplon tendem a crescer mais. Programação independente dos jogos vai ser algo mais amplamente estudado pelos jovens e consequentemente mais pessoas vão produzir jogos de maneira mais prolífera.
Essa temporada de investimentos que está acontecendo recentemente vindo de instituições governamentais como a Spcine e a Ancine traz um horizonte interessante também, quanto mais gente investindo em jogos seja de qual forma for terá mais estúdios que vão abrir, a qualidade dos jogos vai aumentar e mais será gasto com marketing entre outras coisas que só farão bem para a indústria nacional.
15) Nas horas vagas, quais são os seus jogos preferidos?
Meus jogos preferidos costumam ser experiências curtas, focados na narrativa como Gone Home, The Walking Dead e Life is Strange, a exceção apenas é Fallout 3, que pra mim foi a melhor experiência de mundo aberto, fórmula que é tão desgastada hoje em dia.
Por causa do Diana voltei a jogar Grim Fandango também que eu nunca terminei e tirando esses quando quero só me distrair gosto de jogos do gênero roguelike: Binding of Isaac, Spelunky, Rogue Legacy e mais recentemente o Dead Cells.