Em 1985, do auge da minha sabedoria de 11 anos de idade, escolhi ver D.A.R.Y.L. no cinema. No mesmo ano que Os Goonies e um tal de De Volta Para o Futuro também estavam em cartaz, disputando atenção do público, eu escolhi ver D.A.R.Y.L.. Se você não faz a menor ideia sobre que filme foi D.A.R.Y.L., você entende o tamanho do meu erro e um de meus maiores arrependimentos.

Em uma época em que videocassete era apenas um sonho louco trazido do estrangeiro (meus pais só compraram o primeiro aparelho muitos anos depois, através de um consórcio!) e Internet era um negócio usado por militares para o caso de uma guerra nuclear, se você perdesse um filme no cinema, você precisaria esperar vários anos até conseguir assisti-lo na televisão. Eu esperei anos para ver Marty McFly entrar no seu DeLorean e, ironicamente, voltar para o passado, em uma produção cujo título dizia que ele voltava para o futuro. Muitos da minha geração esperaram anos pela oportunidade.

Felizmente, esse atraso para o sucesso coincidiu com o lançamento das duas continuações da obra-prima de Robert Zemeckis. Ou minha memória já está preenchendo lacunas. Ou a realidade foi alterada. Mas eu lembro que em um dia estávamos todos na escola comentando sobre o primeiro filme e logo depois Marty McFly estava prestes a entrar em cartaz novamente. Os americanos esperaram quatro anos entre um filme e outro. Boa parte dos brasileiros, esperou muito menos, uma destas anomalias temporais da era pré-globalização.

Vi De Volta Para o Futuro II com meu pai, que não tinha visto o primeiro. Ele não entendeu nada do que estava acontecendo. Eu também não. Mas nos divertimos muito com as idas e vindas do carismático (e um pouco atrapalhado) Marty. Rimos daquele futuro bizarro de 21 de Outubro de 2015, como se ele nunca fosse chegar. Teria rido ainda mais se algum cara de jaqueta vermelha me abordasse na saída do cinema e me contasse que em 2015 eu iria escrever sobre esse mesmo filme em um negócio chamado Teia De Alcance Mundial.

21-10-2015

E Zemeckis era um visionário. Para cortar custos, filmou as partes II e III de sua trilogia simultaneamente. Muito tempo antes de Matrix ou Senhor dos Aneis pensarem na mesma ideia. O resultado foi que meses depois, o terceiro filme já estava em cartaz novamente. Foi uma febre como ainda não tinha visto. As filas eram quilométricas. Marquei para ver com os amigos. Uma galera grande. Foram desistindo na fila, à medida que as sessões iam passando e a gente não chegava na bilheteria. Ficamos eu e um camarada. Ele viu o filme sentado no corredor. Eu vi em pé, no fundo da sala, o primeiro e único filme que assisti em pé na minha vida. E não me arrependo de nenhum minuto. Não sabia naquele momento, mas assistia a conclusão de um clássico imortal.

O tempo voa mais lento que 88 Mph

Quando Michael J. Fox foi escalado às pressas para o papel de Marty McFly (substituindo Eric Stoltz que não agradou ao diretor), ele tinha 24 anos e uma aparentemente eterna juventude vinda da televisão. Ninguém notou a diferença de sete anos cronológicos que o separavam do adolescente protagonista. Michael continuaria com aquela cara de bom moço, de quem não tem nem barba no rosto por muitos anos e deve ter dado um trabalho para a equipe de maquiagem para se transformar em um McFly de 47 anos naquele longínquo 2015.

A equipe esqueceu que Michael J. Fox não envelhece como os simples mortais:

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Com menos rugas do que sua contraparte cinematográfica, com um cabelo mais estiloso e até, finalmente, um começo de barba, o Michael J. Fox de hoje em dia está bem mais apresentável. O fato de não usar duas gravatas ao mesmo tempo também ajuda na sua imagem.

O que a equipe de maquiagem fez foi repetir uma estratégia que já tinha utilizado no primeiro filme. Como boa parte da história de De Volta Para o Futuro se passaria em 1955, o elenco era composto por jovens. Crispin Glover, que viria a interpretar o futuro pai de Marty McFly, tinha 21 anos, por exemplo, sendo, na verdade, três anos mais novo que o “próprio filho”! A ideia da produção era usar os atores jovens e depois, através da maquiagem, colocar 30 anos a mais de idade para as poucas cenas gravadas no presente de 1985.

Hoje, aos 51 anos, Glover é quase uma cópia xerox do que os profissionais de maquiagem conseguiram naquela época:

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Já o trabalho de 3 horas de maquiagem na atriz Lea Thompson não convenceu muita gente na época de que aquela mulher poderia ter 47 anos e um filho da idade do Marty McFly. Os anos se passaram e a realidade se provou ainda mais fantástica que a ficção. Lea Thompson tem 54 anos agora, dois filhos e ainda é capaz de arrancar suspiros de muitos fãs:

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Thomas F. Wilson, que interpretou o odiável Biff Tannen (e quase toda sua árvore genealógica juntando todos os filmes) ficou bem diferente com a idade real e tenho certeza de que ninguém o reconheceria nas ruas. A menos que ele caísse em um monte de esterco. Aí o reconhecimento seria automático.

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E o que dizer de Christopher Lloyd, o ator que interpretou o inesquecível Doc Brown, o inventor da máquina do tempo? Certamente, ele também tem uma máquina do tempo escondida. Lloyd, que supostamente tem 76 anos hoje mas pode estar escondendo um grande mistério, despontou para o estrelato aparentemente saído de lugar algum fazendo o papel de um homem meio louco de cerca de 60 anos e continuou fazendo carreira como homem meio louco de 60 anos década, após década, após década, sem ser afetado pela passagem do tempo.

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Não se faz mais 2015 como antigamente?

Imaginar que uma série tão divertida como De Volta Para o Futuro pudesse ter qualquer detalhismo histórico é ignorar que o grande charme da trilogia é justamente não estar com os pés no chão. Assim, a 1955 do primeiro filme não é exatamente como a verdadeira 1955, mas um apanhado geral de clichês de filme de época, e o Velho Oeste onde os personagens se perdem no terceiro filme é apenas uma chacoalhada daquilo que todo mundo já imaginava que o Velho Oeste era, após décadas de faroestes.

Por que o 2015 do segundo filme seria um exercício de futurismo?

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Então os roteiristas da franquia deixaram a imaginação correr solta e trouxeram uma visão do futuro que era mais um retrato do que o ser humano comum dos anos 80 pensava sobre trinta anos pra frente do que um estudo científico. E dá-lhe gravatas duplas, roupas multicoloridas, adolescentes encrenqueiros e estranhas tatuagens. Ou faxes sendo utilizados para tudo.

Mesmo assim, alguns chutes da produção acabaram acertando no gol, ainda que por acaso. Ainda estamos perseguindo o infame skate voador, com resultados que vão da trollagem pura e simples para experimentos que até funcionam de verdade (ainda que com severas limitações), passando por promessas não cumpridas. Mas, por exemplo, o óculos de realidade virtual que Marty McFly Jr. (também interpretado por Michael J. Fox) utiliza para ver TV e conversar com os amigos não é tão diferente assim dos projetos de realidade virtual que estamos vendo chegar. Nos dê mais alguns anos e certamente chegaremos lá, para o bem ou para o mal.

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Videoconferência? Nesse ponto saímos na frente e a tecnologia já se tornou realidade muito antes de 2015.

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Tablets? Mais um acerto do filme (ainda que a ideia de computadores fininhos que são pouco mais do que uma tela sejam mais antigos que o próprio filme e tenham aparecido em outras obras de ficção antes).

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Sapatos que se amarram sozinhos são claramente uma invenção do filme e provavelmente um conceito que nunca veria a luz do dia sem a intervenção deste clássico do cinema. Como uma profecia que cumpre a si mesma, a Nike já anunciou que está trabalhando em um modelo que funciona, obviamente influenciada pelo deleite de Marty McFly. Mas o filme não previu o tênis com portas HDMI. Aí já foi delírio do designer da fabricante de calçados mesmo.

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Reconhecimento de digitais como sistema de segurança é outro acerto de De Volta Para o Futuro II. Ainda não é tão popular como a boa e velha chave para abrir a porta de sua casa, mas é uma escolha que está ganhando vulto para desbloqueio de smartphones e acesso a contas bancárias.

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A grande verdade é que mesmo com seus acertos, se Marty e o Doutor Brown chegassem hoje no 2015 real, o que eles encontrariam seria uma realidade paralela bem mais esquisita do que qualquer roteirista poderia imaginar:

Ajustando os relógios

Mas uma coisa mais do que todas as outras não foi prevista por qualquer um dos envolvidos na produção: que trinta anos depois estaríamos aqui com os olhos marejados celebrando sua perenidade. E em um negócio inventado pelos militares, ainda por cima.

Graças à teimosia de Robert Zemeckis, que foi esperto o bastante para guardar os direitos autorais do filme e não vender para o estúdio, não haverá um quarto filme. Zemeckis ainda estava meio chocado com o caça-níqueis vergonhoso que Hollywood fez com o excelente Tubarão de seu amigo Spielberg.

E aqui cabe um parênteses: em 1989, quando De Volta ao Futuro II foi lançado, o filme de suspense, que havia mostrado ao mundo o talento de um jovem diretor e ensinado a muita gente a ter medo de tubarões, já tinha passado por três continuações desnecessárias e, na última, de 1987, o raio do tubarão era até inteligente. Com um pendor para o sarcasmo, Zemeckis colocou um hipotético Tubarão 19 em cartaz no ano de 2015, com direito a holograma na porta do cinema, uma indireta muito direcionada aos seus patrões da Universal Picture e ao infame Tubarão 3D.

Por via das dúvidas, Zemeckis nunca autorizou um quarto filme para sua trilogia. E ofertas não faltaram. E não faltam até hoje. Cristopher Lloyd já sinalizou que toparia voltar, era só chamar, mas também reconheceu que não seria a mesma coisa sem Michael J. Fox, que luta até hoje contra o Mal de Parkinson e não tem mais pleno controle de seus movimentos. Já para Zemeckis, não tem nem continuação, nem remake, nem reboot, com ou sem os astros originais.

Ironicamente, a Universal Pictures vestiu a carapuça e fez mesmo um trailer para Tubarão 19 e ainda se deu ao trabalho de explicar cada uma das continuações que vieram depois dos último filme verdadeiro da franquia:

Aparentemente, não ficou nenhuma mágoa sobre a brincadeira de Zemeckis. O tempo tem estes poderes…

A Pepsi também entrou na onda da nostalgia de 2015 e lançou a garrafa da Pepsi Perfect, a bebida “do futuro” consumida pelo herói no segundo filme. É uma edição limitada e provavelmente tem o mesmo sabor da tradicional, mas a garrafa vai valer um bom dinheiro daqui a outros trinta anos. Mais ainda se você nem beber. Fica a dica.

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O jornal americano USA Today tem uma grande dívida para com o filme, porque nele mostra a juventude (e as pessoas em geral) ainda utilizando um jornal de papel para se manterem informadas sobre as notícias do dia anterior, ao invés de, sei lá, utilizarem algum outro método para terem acesso às notícias em tempo real. Talvez algo inventado pelos militares. Mas, enfim, em homenagem ao 21 de Outubro de 2015, o USA Today está circulando com uma capa falsa que reproduz a capa que aparece no filme, mostrando a prisão de um certo Marty McFly Junior.. É uma rara oportunidade para a juventude (e as pessoas em geral) irem até a banca de jornal e comprarem um jornal de papel para variar.

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E, no final das contas, nem mesmo Zemeckis conseguiu impedir o inevitável e teremos, sim, senhor uma nova aventura com o Doutor Brown patrocinada pelos estúdios da Universal. O curta-metragem misterioso Doc Brown Saves the World foi filmado recentemente e traz de volta o inesquecível DeLorean, os tênis que se amarram sozinhos e o ainda desengonçado (mas sempre carismático) cientista. O curta faz parte da caixa de aniversário de 30 anos do filme original, que começa a ser vendida hoje. O trailer, você confere abaixo. Tente segurar a emoção:

E, se Zemeckis reclamar, teremos Doutor Brown e Marty McFly, ou Cristopher Lloyd e Michael J. Fox, se os direitos autorais não permitirem,  juntos novamente também. Ainda que para um comercial da Toyota…

https://www.youtube.com/watch?v=eVebChGtLlY

“Aonde vamos não precisamos de estradas”

Existiram muitos filmes sobre viagens no tempo, muitos filmes que tentaram prever o futuro, muitos filmes onde um pós-adolescente se mete em altas confusões. Trinta anos depois, não são tantos assim que permaneceram na memória. Não apenas a minha, mas com certeza a sua também e a de milhões de fãs por todo mundo.

O futuro segue aberto, outros trinta anos virão, erraremos em muitas previsões, acertaremos em outras, Cristopher Lloyd continuará parecendo ter 60 anos e, provavelmente não teremos carros voadores. Pode até ser que Marty McFly não apareça nos céus hoje pilotando um carro voador cruzando o espaço de três décadas que nos separam. Mas é que ele nem precisa.

Por que ele nunca foi embora.