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Excel triunfa no tatame do UFC

Dentro do tatame selvagem do UFC, vence quem tem melhor preparo físico, quem está preparado para apanhar e para bater, aqueles de coragem e força de vontade. Mas também vence aquele que usa o poder do Microsoft Excel para triturar seus adversários.

O neozelandês Robert Whittaker é o atual campeão dos pesos médios no UFC e ele deve o título ao poder da análise de dados do editor de planilhas mais popular do mundo.

O título não veio fácil e só foi conquistado após ter derrotado a lenda cubana Yoel Romero em um duelo apertadíssimo no UFC 225, em junho de 2018. Nos primeiros cinco minutos de luta, Whittaker quebrou a mão contra a muralha de músculos do adversário. Pelos próximos vinte minutos que o confronto duraria, o neozelandês de 28 anos teria somente um punho para lutar e a força de cálculos e números controlados nos bastidores. Ao final da batalha, Whittaker emergiu vitorioso, com o cinturão.

No ringue, o lutador impera. Mas aqueles poucos minutos de combate intenso são fruto de horas, de dias, de semanas de treinamento exaustivo determinado pela eficiência matemática de planilhas. Seus cinco treinadores usam o poder do Excel para terem uma visão precisa do que está acontecendo no corpo de Whittaker, como ele responde, como ele reage e o que ele precisa fazer para atingir o ápice de sua performance.

“A única forma de prever o comportamento futuro é o comportamento passado”, explica Fabricio Itte, um dos integrantes da equipe técnica do lutador. Isso significa que nos últimos cinco anos, cada dado relativo à forma física de Whittaker foi registrado em tabelas e planilhas. É um volume de informações excepcional: peso, consumo de calorias, equilíbrio de nutrientes (proteína, carboidratos e gordura), volume de treinamento, batimento cardíaco em repouso, taxa de exaustão… todos os valores possíveis são armazenados. Segundo seus treinadores, o lutador não consegue dar um passo sem que isso seja registrado no Excel, todos os dias.

O objetivo de todo esse trabalho é criar uma espécie de algoritmo de aprendizado. Não é uma Inteligência Artificial, mas sua equipe técnica utiliza a massa de dados para ter uma noção exata do que acontece com seu atleta todo o tempo. Há dados suficientes para prever como Whittaker vai reagir a cada tipo de treinamento, a cada tipo de dieta, com que disposição ele está entrando para treinar e, principalmente, em que condições ele irá entrar no tatame. Não há espaço para instintos ou “achismos” dos treinadores.

Itte aponta que esse é um grande diferencial no treinamento de Whittaker. “Muitas vezes as pessoas vão: ‘você vai fazer esses exercícios e essa é a dieta que você deve seguir’. Nós temos os dados e dizemos: ‘quando você come esses alimentos, você ainda consegue se exercitar. Quando você come isso e bebe assim, você está bem’. Não parece uma grande diferença, mas é.”

Desta forma, o treinamento é sempre preciso. A partir das planilhas de Excele, os treinadores conseguem uma fórmula praticamente matemática: “consumo de calorias e treino permanecerem firmes em X; frequência cardíaca em repouso (medida todos os dias pela manhã ao despertar) subiu para Y – isso nos diz que hoje Whittaker irá se sentir Z”.

O próprio lutador reconhece a importância das planilhas: “isso nos permite ter provas documentais sobre como estivemos em campos de batalha anteriores, como me senti com o treinamento anterior. Isso nos permite ter uma abordagem científica para cargas de trabalho e níveis de esforço e outros detalhes”.

O maior de todos os oponentes

Quem não acompanha os meandros do UFC ou outros esportes de luta, imagina que o maior temor do atleta é um adversário superior e que o maior confronto acontece entre as cordas. Ledo engano. O maior oponente é numérico: a fria precisão da balança.

A classe peso-médio da qual Whittaker e muitos outros lutadores fazem parte exige um peso máximo de 185 libras para seus competidores (em torno de 83,9 kg). O atleta que passar disso pode receber penalidades, multas ou até mesmo ser desqualificado da luta. O lutador neozelandês pesa 200 libras em média. Antes de cada luta, no dia da pesagem, ele precisa perder 15 libras (cerca de 7 kg).

Qualquer um que já fez uma dieta na vida conhece o drama que é para perder tanto peso em um intervalo de tempo pequeno. Esse desafio é elevado ao máximo quando se trata de um atleta que já está em plena forma física. Perder esses 7 quilos a mais é um procedimento que precisa ser milimetricamente calculado: uma grama que passe que pode significar uma derrota ou uma perda significativa de faturamento, enquanto o excesso de zelo pode levar a graves consequências para a saúde e até mesmo à morte.

Um lutador que não precisa se adequar a esse limite e já apresenta o peso médio dentro dos parâmetros de sua classe não corre riscos desnecessários, mas também está em desvantagem competitiva contra um lutador normalmente mais pesado, mais robusto, mais resistente, que apenas se adaptou àquele limite. A equipe de Whittaker sabe disso e luta contra a balança para manter seu atleta saudável e dentro das regras.

O procedimento padrão é uma dieta de algumas semanas, seguida de vários dias de pesada desidratação controlada para atingir a marca de 185 libras exigida pelo UFC. Entre o dia da pesagem e a luta propriamente dita, o lutador está liberado para recuperar o que puder de sua massa, sem sofrer danos ou sobrecarregar o organismo.

Nessa gangorra biológica, triunfa quem mede cada passo com cuidado. Para isso, o Microsoft Excel se tornou uma ferramenta fundamental no treinamento de Whittaker. Quanto mais dados disponíveis sobre processos anteriores e o corpo do atleta, mais preciso é o procedimento. Com a ajuda das planilhas, o corpo de Whittaker se torna uma máquina.

Infelizmente, fora das telas e das tabelas, não é assim que um organismo funciona e imprevistos acontecem. A despeito de todas as previsões, Robert Whittaker teve uma luta cancelada em 9 de fevereiro. Seria sua primeira defesa do cinturão de peso médio, contra  Kelvin Gastelum. Um mal súbito o levou às pressas para o hospital, onde foi diagnosticado e operado de hérnia no abdômen. Recuperado da crise, o lutador deverá permanecer fora dos ringues até agosto desse ano. Sua rotina de treinos deverá ser reiniciada lentamente.

Gamer por opção

Afastado dos treinos, é certo que Whittaker está aproveitando as férias forçadas para exercer seu passatempo favorito: jogos eletrônicos.

Para ele é um ritual para aliviar o estresse e manter a mente no lugar. Horas antes da luta que lhe daria o cinturão, Whittaker não estava pensando no gigante Yoel Romero ou na possibilidade de quebrar o punho. Ele estava se aventurando pelas paisagens de fantasia do MMORPG The Elder Scrolls Online. “É definitivamente uma razão por que eu jogo muito: esquecer as pressões da luta e as dificuldades de treinar e tudo”, justifica o campeão.

Reza a lenda que o neozelandês gasta uma quantidade substancial de seu faturamento em itens colecionáveis de jogos. Uma lenda alimentada por ele mesmo, que já brincou que torrou cerca de 60% do que ganhou no UFC com o MOBA League of Legends.

Esse seu lado gamer o transformou em um streamer també m. Não são raras as vezes em que ele transmite longas partidas do conforto do seu lar e essa sua relação com o mundo dos jogos já lhe rendeu também convites de desenvolvedoras para experimentar novos títulos. Para o bem ou para o mal, Whittaker até mesmo se tornou uma espécie de porta-voz não-oficial do mal-sucedido Fallout 76.

Assim, o mundo da tecnologia, em todas as suas facetas, não é estranho para o lutador. Quando ele retornar para defender o cinturão, fora do tatame, Excel e jogos estarão ao seu lado para o que der e vier.