A pandemia do novo coronavírus mudou e vai mudar a indústria de TI, assim como a sociedade de uma forma geral. Ainda não é possível afirmar com total certeza como essas mudanças virão, mas é relativamente fácil identificar tendências. E uma dessas tendências é o home office, inclusive no Brasil.
Um levantamento da revista Computer World realizado no início da quarentena apurou que cerca de 130 empresas nacionais já haviam aderido ao modelo de trabalho com seus funcionários ou estavam com planos para investir nessa modalidade.
Crise para alguns, necessidade de adaptação rápida para outros e oportunidade para quem deseja se projetar em um nicho que não era tão forte até o ano passado. Uma dessas empresas que enxergou uma chance de se tornar pioneira no chamado “novo normal” foi a consultoria paulista Stefanini. Nascia em tempo recorde a iniciativa Stefanini @Home.
De boas intenções…
“A pandemia testou a estratégia de resiliência de diversas organizações. Poucos planos de contingência previam uma transição extremamente rápida para o trabalho 100% remoto, com restrições de distanciamento social. A Stefanini foi além e desenvolveu uma plataforma completa para diferentes perfis de empresas, ampliando os limites de suas soluções para melhor atender nossos clientes”, alardeou Marco Stefanini, CEO do Grupo Stefanini, no lançamento do projeto em agosto.
O Stefanini @Home tinha dois pilares. O primeiro deles, prometia disponibilizar uma seleção de profissionais especializados geograficamente espalhados que poderiam prestar serviços remotamente em qualquer segmento. As empresas clientes da solução teriam portanto um catálogo de funcionários terceirizado de atendimento ao consumidor, suporte técnico, backoffice, vendas e outros, sem precisar se preocupar com uma infraestrutura interna, escritórios próprios, protocolos de segurança etc.
Na prática, essa modalidade de trabalho já existe, não é de hoje e tampouco privilégio da Stefanini. Um dos diferenciais dessa abordagem seria um sistema de monitoramento poucas vezes visto antes, que habilitaria a gestão à distância desses profissionais em tempo real. Além disso, a plataforma ofereceria ferramentas de desempenho que avaliariam a produtividade desses contratados em regime de home office, com métricas rigorosas, controle de horários, relatórios inteligentes e outros recursos.
Entretanto, um dos grandes obstáculos para a evolução do trabalho em casa, como vários profissionais já sentiram, é a falta de um suporte tecnológico em seu próprio ambiente. Nessa modalidade, o funcionário tende a arcar com seu próprio equipamento, sua conectividade e suas necessidades ergonômicas. Como resolver?
É nesse ponto que entra o segundo e mais polêmico pilar do Stefanini @Home.
Pensando dentro da caixa
Em parceria com as agências de design NOAK e Minimal Design, a consultoria concebeu o “Home Booth”, uma espécie de cabine fechada que funcionaria como um mini-escritório para ser instalado na sua residência. Nesse caso, uma imagem vale mais do que uma descrição:
De acordo com Marco Stefanini, essa estrutura é peça fundamental do projeto, “para que os colaboradores possam desempenhar o home office de maneira efetiva e produtiva”. O Home Booth traria todas as ferramentas necessárias, incluindo controle de conexão e validação por reconhecimento facial. A caixa iria oferecer “privacidade instantânea, eliminação de ruídos, além de um ambiente de trabalho funcional e ergonômico”, de acordo com a descrição que constava no site oficial.
Cada profissional teria ali dentro um espaço climatizado de 1 m de largura, 1,6 m de profundidade e 2,2 m de altura. É menor que um banheiro químico, para efeitos de comparação. Menor que uma cela individual, segundo os termos da Lei de Execução Penal. E seria seu ambiente de trabalho, durante as jornadas estabelecidas e metrificadas pelo sistema.
No momento do anúncio do Home Booth, a novidade já estava sendo testada com 50 colaboradores. Apesar disso, a revelação da estrutura causou mal-estar na internet. As reações foram do deboche às críticas:
A PRÓPRIA rodinha de hamster na gaiola pra manter girando a máquina do capitalismo
— Lisboa (@lismontag) August 26, 2020
Já não basta viver enclausurado e ainda vem com uma coisa dessas pra deixar a gente mais enclausurado ainda
— Gabrielly de Andrade (@gabriellyandr) August 25, 2020
A empresa recua, por enquanto
A resposta negativa afugentou a consultoria. Em questão de dias, todas as referências ao Home Booth foram apagadas de seus canais oficiais. Não há mais imagens no site do projeto e seu vídeo promocional não está mais listado do YouTube (e seguirá disponível para sempre na internet). As únicas provas que essa ideia realmente existiu foram os anúncios divulgados em alguns veículos de imprensa. Para todos os fins, a Stefanini resolveu que a estrutura nunca existiu. Não há uma única linha oficial sobre a decisão de remover o conteúdo ou como irá funcionar a plataforma Stefanini @Home sem seu suporte físico.
A repercussão chamou atenção também para o sistema de controle e monitoramento sugerido pelo modelo. Independente do cubículo caseiro, a ideia de ter seu desempenho medido de forma mecânica por uma plataforma que tudo vê não é compatível com o conceito do profissional independente moderno ou com os princípios da privacidade almejados pela maioria.
Seria o home office então uma balbúrdia que precisa do olhar constante de uma entidade rígida para funcionar? É essa a mensagem passada pelo Stefanini @Home? Gerações de especialistas que praticam essa forma de trabalho, antes mesmo da pandemia, certamente irão discordar. Todo desenvolvedor que já teve que se afastar do teclado e do monitor para pensar em um problema irá discordar.
Em sua página, a Stefanini mantém o questionamento: “você já se perguntou como será o futuro do trabalho?” O novo normal depende de atitudes e reações estabelecidas por cada participante da sociedade. Enquanto nada for consolidado, ideias e propostas serão lançadas para lidar com problemas inéditos. Porém, nem todas essas ideias, pelo visto, poderão ser aproveitáveis.