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Indústria automobilística correndo atrás

Quando um visionário como Steve Wozniak prevê a extinção do motorista humano em 20 anos, é melhor prestar atenção. Quando a inevitável ascensão de serviços como o Uber e os dinossauros que o combatem são constante manchetes nos portais, é melhor prestar atenção. Quando Google literalmente queima dinheiro em iniciativas como carros inteligentes sem dar lucro ou um bilionário como Elon Musk insiste em carros elétricos enquanto o resto do mundo acredita ser uma piada, é melhor prestar atenção.

E as tradicionais montadoras de veículos estão prestando atenção. Os sinais são claros: a mobilidade urbana está se modificando de maneira vertiginosa e é claro que o seu filho não terá a mesma relação que o seu pai tinha com o carro na garagem. É preciso se reinventar.

Reinventando a Ford

É com esse discurso que o presidente da Ford, Mark Fields, está convencendo a empresa a encarar um novo desafio. A pioneira na fabricação de automóveis compareceu à CES deste ano para mostrar que está diferente. Nas palavras de Fields, “nós queremos colocar um ponto de exclamação em nossa mudança de uma empresa de carros para uma empresa de carros e mobilidade. Nós estamos nisso há um longo tempo, mas nós iremos acelerar para a frente”.

ford-amazon

No mesmo dia, a Ford anunciou uma parceria com a Amazon e com a DJI para se conectar com esse novo mundo digital. O primeiro fruto dessas alianças será um automóvel inteligente capaz de interagir com o Amazon Echo para o gerenciamento de casas igualmente inteligentes. A novidade fará parte da frota de 30 carros autônomos que a empresa pretende colocar em testes nas estradas até o final do ano.

Enquanto isso, os drones da chinesa DJI poderão ser utilizados com pickups da Ford, usando a caçamba do veículo como zona de pouso e decolagem. A empresa vê a combinação entre os veículos aéreos não-tripulados e as F-150 como um casamento perfeito para operações em áreas de crises, com o aeronave transmitindo dados para os ocupantes do veículo em movimento.

As novas ideias da Ford não param por aí e a montadora quer equipar sua frota com internet móvel da AT&T ao mesmo tempo que pretende licenciar seu sistema de navegação e entretenimento interno para outros fabricantes de veículos.

Pode parecer que a Ford está atirando para todos os lados em um mercado hiperveloz, mas essa é a nova dinâmica que precisa ser dominada, ou as empresas de tecnologia e as startups ocuparão o lugar que as montadoras ocupam desde o século passado. “Nós estamos abertos a um monte de coisas diferentes, mas não estamos interessados em fazer fabricação por contrato”, reforçou Fields.

O que explica porque a Ford está oferecendo um serviço de vans por aplicativo em Kansas City…

“Transportando Pessoas”

Na semana passada, a Ford anunciou uma parceria que poderia parecer inusitada com a startup Bridj e a Kansas City Area Transportation Authority (KCATA) para oferecer serviços de vans on demand para usuários de um aplicativo.

Ao contrário das populares kombis e vans ilegais ou semi-legais dos grandes centros urbanos brasileiros, os veículos com os logotipos da Ford e da Bridj irão operar inicialmente apenas em regiões que não são cobertas adequadamente pelo transporte público.

Mas é fácil imaginar o alvoroço que esse tipo de serviço geraria em cidades como Rio de Janeiro ou São Paulo, controladas por poucas e muito competitivas empresas de ônibus. A resistência oferecida pelos taxistas ao Uber pareceria uma briga de pátio de recreio comparada com a reação dos cartéis do transporte público. Entretanto, guarde na memória: a união da força das montadoras com a praticidade das startups deve aportar por aqui inevitavelmente em breve.

Cada van possui um horário específico e um trajeto para circular por Kansas City. Ao contatar o aplicativo, o usuário confere a rota e reserva um dos 14 lugares disponíveis no veículo. Tudo com o aval da administração pública, que não vê empecilho algum para o seu funcionamento.

Inicialmente, o programa piloto deve funcionar por um ano, durante o qual serão coletados dados de uso para estender a iniciativa para outras regiões. Não seria surpresa se ele acabasse abrangendo toda a cidade de Kansas City e depois espalhando por outras cidades americanas. Os próprios administradores afirmam que quanto mais usuários o programa tiver, mais dados serão coletados e mais comunidades passarão a ser atendidas pelo serviço.

Matt George, fundador da Bridji, se esquiva da polêmica e afirma: “nós estamos apenas oferecendo ao usuário final uma outra opção”. Com esse mesmo discurso, o Uber se expandiu por mais de 50 países e 300 cidades ao redor do mundo e está avaliado em 62 bilhões de dólares. Com esse mesmo discurso, o Uber se tornou um para-raios de críticas e resistência por parte dos sistemas tradicionais de transportes.

Aparentemente, a Ford não tem medo de evolução.

A Ford Não Está Sozinha

Mas se engana quem pensa que a Ford iria evoluir sozinha enquanto as suas rivais seguiriam no mercado de fabricar carros como seus avós faziam. Praticamente todas as principais empresas da indústria automobilística estão de olho nesse futuro em que a posse individual de veículos pode deixar de existir, onde serviços de mobilidade, inclusive sem motoristas humanos, podem ser seus substitutos. A General Motors é outro exemplo.

maven

A empresa está lançando um serviço de compartilhamento de veículos no modelo do Uber chamado Maven em uma cidade do Michigan. A General Motors acredita que 30 milhões de pessoas deixarão de ter seus próprios carros para dividir horários em um carro compartilhado na próxima década. E a fabricante não quer ficar para trás. Através do Maven, qualquer um, sem precisar de registro, pode alugar uma hora do veículo de fabricação da General Motors por seis dólares em 21 pontos disponíveis na cidade de Ann Harbor.

Lembram da Sidecar, pioneira no serviço de motoristas privados que fechou as portas no final de 2015? Seu co-fundador, seu diretor técnico, sua tecnologia, suas patentes e 20 funcionários foram todos arrematados pela General Motors. A mesma General Motors que também investiu meio bilhão de dólares no maior rival americano do Uber, o Lyft. Não por acaso, a mesmíssima General Motors também está investindo nesse momento em sua própria plataforma de mapeamento urbano.

Para o presidente da GM, Dan Ammann, “o compartilhamento de veículos e de viagens, em geral, é muito mais uma oportunidade para a General Motors do que uma ameaça. Já é um mercado consideravelmente grande e está crescendo bem rapidamente”.

O futuro está chegando veloz  mas as montadoras de veículos não estão pisando no freio.