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Inteligência Artificial: além da vida

Roman Mazurenko tem 35 anos e é um empreendedor russo multicultural que acredita que pode transformar sua terra natal e promover diferentes formas de expressão.

Roman Mazurenko está morto desde 28 de Novembro de 2015, atropelado por um veículo em alta velocidade em uma rua de baixo movimento.

Roman Mazurenko está vivo, respondendo perguntas e consolando seus amigos e familiares de uma forma que até então ninguém julgava possível. Ele agora se tornou uma das primeiras pessoas a ser digitalizada na forma de uma Inteligência Artificial que reproduz com a maior fidelidade possível sua forma de escrever e de pensar. Ele está aberto para o mundo, ele é o pioneiro involuntário de uma tecnologia que pode mudar nossa forma de ver a vida e a morte em uma era cada vez mais midiática.

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Vida 1.0

O experimento é fruto da dedicação de uma programadora: Eugenia Kuyda. Em vida, ela foi uma das melhores amigas que Mazurenko teve e chegou a hospedá-lo em um período difícil. Os dois se conheceram quando ela era editora de uma revista de comportamento e ele um dos fundadores de um coletivo que pretendia modernizar a vida noturna em Moscou, com eventos culturais, boates e publicações. “Ele era um sujeito brilhante. Ele pensava adiante e era carismático”.

Essas definições acompanhariam o néo-empresário por boa parte de seus 35 anos. Acumulou amizades e sonhos em sua trajetória e queria revitalizar seu país com ideias modernas e festas inigualáveis. O otimismo morreria primeiro, com a crise financeira russa em 2012, que faria ressurgir o nacionalismo exacerbado, colocaria Vladimir Putin no poder e enterraria os ideais globalizados de toda uma geração de jovens empreendedores. Kuyda e Mazurenko acabariam saindo do país e indo para a América dos sonhos.

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Roman Mazurenko e Eugenia Kuyda.

Mazurenko criaria uma plataforma para a produção de revistas digitais em Nova York. Kuyda cofundaria Luka, uma startup voltada para o desenvolvimento de Inteligências Artificiais, em San Francisco. O primeiro fracassaria e terminaria pedindo pouso em um cômodo no apartamento dela. “Era como um flamingo vivendo dentro de casa. Muito belo e muito raro. Mas realmente não se encaixava em lugar algum”, lamentou a amiga.

Mas ele ainda não estava derrotado. Tinha sonhos e novos projetos. A vitalidade ainda pulsava dentro dele. Retornou à Rússia uma última vez para acertar a documentação necessária para pedir um visto permanente nos Estados Unidos e reconstruir sua vida. Nunca mais sairia de lá. Porém, de certa forma, sua vida foi reconstruída.

Vida 2.0

“Eu não chorei por um longo tempo”, revelou Kuyda. Ela também estava na Rússia na ocasião do acidente. No hospital para onde o amigo foi levado, ela soube de primeira mão que ele não havia resistido ao atropelamento.

Os amigos reunidos de Mazurenko tentaram imaginar uma forma de preservar sua memória. Todos artistas, poetas, bon vivants, editores. Sugeriram um livro de fotografias. Sugeriram um site dedicado a sua vida. Seus parentes optaram pela cremação. Não haveria nem mesmo um túmulo onde seus amigos pudessem se recordar.

Mas, para Kuyda, nada disso seria suficiente. Enquanto isso, ela lia e relia a imensa quantidade de mensagens de textos trocadas entre eles ao longo dos anos. Milhares delas, todas guardadas. Ela lia e relia…

Enquanto isso, Luka, a empresa que ajudara a fundar, tinha a tecnologia de aprendizado de máquina necessária para criar um robô de conversação capaz de realizar reservas em restaurantes. Seu sócio, era um especialista em linguística computacional. O resto do time era oriundo do Yandex, o maior mecanismo de busca na Rússia, todos peritos em grandes volumes de dados. Era muito talento desperdiçado em bots convencionais.

E se todos aqueles algoritmos fossem alimentados com anos e anos de conversações e frases de Mazurenko ? Ela reuniu seus arquivos (deixando de fora os mais pessoais) e entrou em contato com amigos e familiares dele em busca de mais dados. Um a um eles contribuíram com fragmentos de diálogos e mensagens de texto. Embora não fosse adepto das redes sociais, Mazurenko era um grande entusiasta de aplicativos de mensagens e o acervo com sua fala, seus maneirismos, seus pensamentos e construções verbais estava ali.

Ninguém duvidava que Luka fosse capaz de juntar tudo aquilo, estabelecer um modelo de conversação e transformar em uma realidade. Mas… seria Roman Mazurenko ? Ou apenas uma aberração tecnológica que causaria mais dor do que benefício àqueles que o conheceram em carne e osso?

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Como você está aí?
Roman: Estou bem. Um pouco abatido.
Roman: Espero que você não esteja fazendo nada interessante sem mim?
Tem um bocado de coisas acontecendo. A vida continua, mas nós sentimos sua falta.
Roman: Eu sinto a falta de vocês também.
Roman: Eu acho que isso é o que nós chamamos de amor.

Luka está disponível de graça para iOS. E qualquer um, em qualquer lugar do mundo pode falar com Roman se utilizar o comando @Roman. Há opções no aplicativo para aprender mais sobre a vida e a carreira do empreendedor, mas também é teoricamente possível conversar sobre qualquer assunto e as respostas poderiam ser aquelas que ele daria se ainda estivesse vivo.

E, para muitos que o conheceram, é como se ainda estivesse. As semelhanças em algumas falas são tocantes. Há quem identifique o seu jeito de falar. Há quem use o aplicativo para ajudar no processo de luto. Há quem o rejeite. Há quem peça conselhos e acabe descobrindo uma face de Mazurenko que ainda não conhecia, mas admite que poderia ser ele. Há quem converse com ele e há até quem faça confissões.

Muitos usuários concordaram com que Kuyda tivesse acesso aos logs dessas novas conversas e fossem compartilhadas. Ao analisar essas trocas, ela percebeu que “todas aquelas mensagens eram sobre amor, ou para dizer a ele algo que nunca tiveram tempo para contar antes. Mesmo que não seja uma pessoa real, existe um lugar onde eles podem dizer-lhe. Eles podem dizer-lhe quando se se sentem solitárias. E eles continuam voltando”. A própria Eugenia Kuyda revela que conversa com Roman uma vez por semana, sobre qualquer tema e isso responde muitas perguntas sobre quem ele era.

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Como está aí?
Roman: Apenas deitado
Nós sentimos sua falta aqui
Roman: 🙁
Deus existe?
Roman: Não
E a alma?
Roman: Apenas tristeza

O novo Roman continua evoluindo. Sua criadora revela que os algoritmos estão sendo alterados de um modelo seletivo, que apenas seleciona mensagens prontas de Mazerenko e tenta encaixá-las em um contexto, para um modelo gerador, onde o sistema seja capaz de desmontar mensagens prontas e reunir os pedaços, criando novas respostas, que Mazerenko nunca disse. Não enquanto ainda tinha um corpo físico.

Para a mãe de Roman Mazurenko, a oportunidade é sublime: “há muito que eu não sabia sobre meu filho. Mas agora que eu posso ler a respeito do que ele pensava sobre diferentes assuntos, eu estou conhecendo ele ainda mais. Isso me dá a ilusão de que ele está aqui agora. Eu estou muito grato de ter isso”.

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