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Linden Lab: passado e futuro da Realidade Virtual

Quem vê hoje o Facebook tentando construir uma plataforma social baseada em Realidade Virtual, pode chamar Mark Zuckerberg de “visionário”.

Mas não é verdade.

Se esse termo pode ser aplicado a alguém é a Philip Rosedale, um prodígio da computação que vem perseguindo esse sonho impossível desde os anos 90, foi o rei da Realidade Virtual nos anos 00 e está prestes a reconquistar os holofotes com seu próximo projeto.

Metaverso

SnowcrashEm 1992, Rosedale estava cursando Física na Universidade da Califórnia, os custos de sua educação completamente cobertos pela microempresa de sistema de banco de dados que ele mesmo criara aos 17 anos. Mas, 1992 não foi um ano qualquer. Foi o ano que o livro Snow Crash foi publicado.

A obra-prima do escritor Neal Stephenson batia exatamente com uma antiga visão que Rosedale já trazia dentro de si: a possibilidade de se construir um mundo virtual em três dimensões onde as pessoas poderiam conviver, interagir, representadas por um avatar eletrônico, uma única rede capaz de interligar sociedades e indivíduos de todos os cantos do planeta em tempo real. Em uma época em que a própria World Wide Web ainda engatinhava e os navegadores eram de texto puro, Stephenson e Rosedale compartilhavam da mesma epifania. Era o chamado metaverso.

Enquanto o livro reverberou até se tornar um dos clássicos da ficção-científica, influenciando tudo que viria depois, a ideia de Rosedale permanecia adormecida e maturava.

Três anos depois, em 1995, a mente inquieta do programador e físico engendrou um processo inovador de compactação de vídeo que facilitaria a realização de videoconferências. FreeVue não era o Metaverso que desejava, mas garantiu a compra da tecnologia pela RealNetworks, que tentava a todo custo controlar a emergente indústria do streaming de áudio e vídeo. No ano seguinte, Rosedale já era Vice-Presidente e CTO da empresa, aos 27 anos.

Mas ainda assim não estava satisfeito. Permaneceu apenas um ano na RealNetworks antes de sair para começar o projeto que o aproximaria mais do que nunca da realidade projetada em Snow Crash. Arregimentando veteranos e gênios da Adobe, Electronic Arts, Apple e Disney, fundaria a Linden Lab em 1999.

Segunda Vida

Inicialmente, a Linden Lab tentou desenvolver um dispositivo de Realidade Virtual, quase 15 anos antes do Oculus Rift ser rascunhado no papel. Tempo e dinheiro foram consumidos na procura pelo hardware perfeito, até Rosendale se dar conta que o caminho não era esse e a tecnologia ainda não estava pronta. Em 2001, a pesquisa do The Rig foi suspensa para a empresa se dedicar a criar software, uma plataforma para criação de conteúdo em Realidade Virtual, não imersiva como seria possível com o headset, mas ainda com ambientes em três dimensões, como os jogos eletrônicos.

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Finalmente, em 2003, foi lançado o Second Life. Nos primeiros dois anos de existência, o serviço foi conquistando seu público lenta, mas progressivamente. Ainda que permitisse que usuários de qualquer canto do mundo construíssem seu espaço virtual e interagissem com outros através de um programa, o apelo supostamente não estava explodindo como esperado. Mas era apenas questão de se atingir uma massa crítica, como se pode observar da história de qualquer rede social que veio antes ou que foi lançada depois.

AnsheChung_BusinessWeek_CoverEm 2005, empresas descobriram a Realidade Virtual disponível dentro do Second Life e a imensa massa de clientes potenciais ali. Como a grande bolha da internet anos antes, estava claro mais uma vez que era imprescindível ter uma presença ali dentro, fosse como fosse, custasse o que custasse, sob o risco de se perder o bonde da História. Algumas lições não se aprendem jamais e a Linden Lab viu seu negócio ascender de forma meteórica. Todos queriam estar em Second Life, todos queriam fazer negócios em Second Life.

A Linden Lab criou um modelo comercial em que alugava espaço virtual dentro de seu universo. Empresas, indivíduos e instituições educacionais seriam donas do que criassem dentro do Second Life, podendo usufruir dela da forma que desejassem, revender objetos e elementos criados em 3D, mas a “terra”, a propriedade da terra seria sempre da Linden Lab, que lucraria a partir da locação ou da venda permanente do território.

A explosão de popularidade desfrutada por Second Life fez com que embaixadas oficiais de países reais fossem abertas na Realidade Virtual. Bancos e outras grandes instituições comerciais abriram agências naquele mundo. A IBM comprou nada menos que 12 ilhas para treinamento de profissionais e executivos. Faculdades de todas as partes do mundo instalaram campus colossais dentro daquele universo imaginário, pagando taxas impressionantes. Jornais criaram escritórios ali, gigantes do entretenimento também.

Em muitos desses casos, o espaço era reservado antes mesmo de se ter um projeto de uso, às vezes com meses ou anos de aluguel pagos adiantadamente ou mesmo com escrituras de posse definitiva.

Nessa euforia virtual, o Brasil foi o primeiro pais do mundo a desfrutar de um portal exclusivo para acessar o Second Life, em parceria com a Kaizen Games. Várias foram as instituições brasileiras que investiram pesado no sonho de Rosendale.

Em 2007, estava claro que aquela bolha também iria estourar. Uma extensa reportagem publicada na Wired mostrava que os investidores estavam jogando fora milhões de dólares pela janela em uma presença em uma plataforma que não tinha tantos usuários assim. “A América Latina inteira tem menos de oitenta mil usuários. O que dá, numa regra de três simples, menos de dois mil latino-americanos no ar, por lá, ao mesmo tempo, dos quais menos de mil seriam brasileiros”. Agências de publicidade e empresários acordaram para o fato de que aquela nova fronteira ainda tinha muito chão pela frente antes de se tornar rentável. A euforia desapareceu.

Em 2013, dez anos depois do seu lançamento, Second Life tinha 36 milhões de contas criadas e  cerca de um milhão de usuários regulares mensais. Sua economia virtual havia movimentado 3.2 bilhões de dólares no período, muito mais que vários países em desenvolvimento. Os números ainda eram fortes, apesar do declínio e a plataforma era o mais próximo do Metaverso jamais imaginado, pouco mais de 20 anos depois da publicação de Snow Crash.

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Terceira Vida

Com os dispositivos que permitem a imersão total dos usuários em ambientes tridimensionais que não existem e o avanço estratégico do Facebook no setor, parece que agora o ecossistema está pronto para eclodir como nunca antes.

Em 2015, Second Life havia movimentado somente 60 milhões de dólares durante todo o ano. Uma soma significativa para uma plataforma anciã, mas uma pálida fração de seus áureos tempos. Contudo, a Linden Lab tem em mãos algo de valor inestimável: quase duas décadas de experiência com a tecnologia da Realidade Virtual e sua aplicação na construção de comunidades. É a empresa certa para aproveitar o momento e tornar o metaverso palpável, talvez em sua forma definitiva.

Entra em cena Sansar:

https://www.youtube.com/watch?v=-tdkW64u3YA

O novo projeto da Linden Lab é criar o “WordPress ou o YouTube da Realidade Virtual”. Nas palavras de Ebbe Altberg, atual CEO da empresa, “imagine a internet sem a facilidade das ferramentas de publicação ou blog, ou sem a capacidade de subir seus vídeos para transmitir para o mundo. Seria um espaço muito vazio, ou apenas um punhado de grandes empresas com bolsos largos. Felizmente, basicamente todo mundo pode se expressar na internet hoje e com a Realidade Virtual isso não é possível”.

Um dos motivos para o esvaziamento do Second Life e para a adoção lenta das plataformas de Realidade Virtual hoje, segundo o executivo, é a falta de conteúdo disponível. Simplesmente não há material suficiente para manter o interesse do usuário, uma preocupação que também vem afetado gigantes como o Facebook e a Microsoft. Mas o conteúdo não é produzido por que não há uma audiência ou não há uma audiência por que o conteúdo não é produzido?

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Para a Linden Lab, não há conteúdo porque ele é dispendioso e complexo para ser produzido. Como eram os vídeos antes do advento do YouTube, quando era necessário equipamento profissional para gravação e um servidor próprio para transmissão. Mas Sansar está sendo desenvolvido para tomar o caminho inverso do Second Life: enquanto a empresa lucrava alto cobrando caro de centenas de empresas e instituições, a ideia agora é cobrar barato e oferecer todo tipo de incentivo a milhões de criadores. Se um espaço na Realidade Virtual anterior não saía por menos de US$300 (com descontos para instituições educacionais), em Sansar será possível lotear o mesmo espaço por “dezenas de dólares” mensais, quase o custo de uma hospedagem convencional de servidor web.

Mais do que isso, Sansar pretende seguir o caminho do YouTube também na forma de distribuição: ao invés de ser necessário um cliente ou hardware específico para acessar o conteúdo, os mundos e experiências tridimensionais criados em sua plataforma poderão ser consumidos em qualquer página, em qualquer plataforma, em qualquer navegador, escalando de acordo com os recursos de processamento e renderização disponíveis para o usuário.

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Apesar de não ser de código-aberto, Sansar não utilizará tecnologias proprietárias e será compatível com os principais formatos 3D existentes no mercado. E usará C# como linguagem padrão de programação. Em um ecossistema onde a Microsoft está penetrando, com Paint 3D e outras iniciativas tentando forjar uma tendência, a Linden Lab parece ter aprendido a lição de que não adianta caminhar sozinha.

Por enquanto, Sansar está desde Agosto de 2016 em fase experimental fechada para criadores de conteúdo. Um beta público está previsto para esse ano, quando saberemos se o próximo universo criado por Philip Rosedale e seu time irá repetir o brilho fugaz de Second Life ou irá transcender seus objetivos e viabilizar os delírios proféticos dos anos 90.