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Manifesto Ágil: Retrospectivas Lúdicas

Há alguns anos, quando tive os meus primeiros contatos práticos com os métodos ágeis, conheci e participei pela primeira vez (como ouvinte) de um famoso evento do universo ágil: Retrospectivas. Após duas horas de reunião, entendi (equivocadamente, por sinal) que essa reunião tinha dois grandes objetivos: escutar as pessoas elogiando algumas características da última entrega do projeto e “lavar roupa suja” (reclamações).

Ao sair da reunião, comentei com um amigo mais experiente sobre o formato deste encontro e, até hoje, lembro o que eu concluí do que ele me disse: retrospectiva só funciona bem quando é conduzida adequadamente, e isso dificilmente acontece.

Mas será que boas Retrospectivas realmente são difíceis de acontecer?

A ideia original

No Guia do Scrum (versão de Novembro de 2017), mantido e desenvolvido por Ken Schwaber e Jeff Sutherland, há as explicações de como a Retrospectiva da Sprint deve acontecer. Segundo os autores, este evento serve como uma oportunidade para o Time Scrum inspecionar a si próprio, bem como para a criação de um plano de melhorias a serem aplicadas durante a Sprint seguinte. Além disso, eles afirmam que o Scrum Master deve garantir que este evento aconteça de forma positiva e produtiva.

Eu concordo 100% com eles! E hoje, com mais experiência em métodos ágeis, tive oportunidades de participar deste evento de maneiras mais adequadas. Porém, no início da minha vivência com a agilidade, nem todas as Retrospectivas eram interessantes e atingiam os objetivos propostos pelo Guia.

A vivência me presenteou com novos formatos de Retrospectivas

Na Plataformatec costumamos trabalhar com diversos métodos, frameworks e modelos de trabalho relacionados com agilidade. E, durante essa minha jornada, tive a oportunidade de conduzir várias reuniões de Retrospectiva (não necessariamente por Sprint, mas também em outras escalas de tempo que faziam sentido para o projeto). Entre as mais diversas maneiras e formatos (algumas até com times alocados em outro país), gostei muito de uma em especial, da qual tenho chamado de Retrospectiva Lúdica.

Essa proposta de Retrospectiva envolve uma característica que facilita muito a condução deste tipo de evento: desenhos! Sim: cenários, monstros, obstáculos, personagens, etc. O que a sua criatividade permitir representar de situações do time e do projeto.

Veja um exemplo real (algumas informações da imagem foram ofuscadas por questões de confidencialidade):

Na proposta acima, há alguns pontos que visam atingir um objetivo específico. No caso deste projeto, estávamos trabalhando no desenvolvimento de um novo produto e acreditávamos na necessidade de avaliar um período maior do projeto. Logo, a proposta foi avaliar todo o período, desde o início dos trabalhos, a atualidade e, obviamente, as melhorias para o futuro. Cada membro do time pôde colocar somente 1 post-it por seção (exceto na parte 7). Naquele momento estávamos em 9 pessoas no projeto e, como eu estava facilitando a dinâmica, não participei inserindo post-its. A ideia de limitar em 1 cartão por pessoa se sustenta em quatro fatores:

  1. Trabalhar com o time a questão de priorizar, de forma individual, o comentário mais importante;
  2. Conceder o mesmo “peso” de importância para cada membro do time;
  3. Por questões de organização estrutural da dinâmica;
  4. Para não ultrapassar o time box proposto para o time (combinamos realizar a Retrospectiva em, no máximo, 02 horas – e fizemos em 1:45).

Também é possível perceber que o desenho deste exemplo apresenta um trajeto, que começa em Maio de 2017 (mês de início do desenvolvimento técnico do produto) e termina em algum momento do futuro (quando a equipe atingiria o objetivo atual do projeto). No caso, a gente realizou essa Retrospectiva Lúdica em algum dia do mês de Novembro de 2017. A inspiração para este formato surgiu da minha paixão por jogos e videogames (um caminho com obstáculos e, no final, um “chefão” para vencer). A proposta era simular o modelo clássico de jogos de aventura para toda a equipe. Dependendo do projeto que você estiver, ele pode realmente ser uma aventura, não?

Agora vamos para os detalhes deste exemplo de Retrospectiva Lúdica (seguindo as numerações colocadas na imagem):

  1. A Retrospectiva começou com cada membro do time respondendo à seguinte pergunta: Qual a principal característica que define este time? O objetivo era entender como os membros do time se enxergavam na empresa e, de certa forma, compreender o motivo de todos nós estarmos desenvolvendo aquele produto em especial. Na sequência, a gente debateu o conteúdo de cada cartão fixado na lousa;Obs.: não era necessário identificar nominalmente quem havia escrito cada cartão. Porém, na minha opinião, a identificação não criaria nenhum problema para a dinâmica. Essa observação vale para todas as partes desta Retrospectiva.
  2. Na segunda parte, cada membro do time respondeu: Qual foi o maior desafio que a gente enfrentou até este momento do projeto? Ou, em outras palavras: Qual o maior obstáculo que o time superou? No caso, esta parte foi representada por um muro quebrado. Depois de cada membro registrar seu comentário, nós debatemos novamente cada item apresentado na lousa. O objetivo desta etapa era encontrar alguma lição aprendida para o time, bem como lembrar os principais desafios já superados pela equipe (agregando na percepção de progresso do projeto);
  3. A seguir, trabalhamos com o seguinte questionamento: Qual foi nossa principal conquista desde o início do projeto? O principal objetivo deste momento é lembrar os objetivos atingidos, tudo aquilo que conseguimos conquistar até este momento do projeto. É muito comum, inclusive, que as conquistas estejam relativamente atreladas com os desafios (seção 2). Por fim, debatemos e celebramos cada conquista registrada nos post-its;
  4. A quarta parte desta dinâmica é parecida com a primeira, porém, com um contexto mais individual. Uma auto-crítica positiva, de certa forma. A pergunta deste momento foi: Nós ainda teremos mais desafios para vencer no projeto. Qual é o seu “super poder” que ajudará o time a ultrapassar novas barreiras?”. Ou, se preferir, também pode ser: Qual a sua característica mais marcante (aquela que todos lembram quando falam de você)?

    O objetivo deste momento é lembrar como nossos talentos conseguem influenciar diretamente nos resultados do projeto. Interessante que, neste dia, alguns membros do time simplesmente passaram um risco no post-it, ou seja, não quiseram realizar uma auto-crítica. Percebendo isso, outros membros da equipe se posicionaram e ajudaram essas pessoas a escolherem um talento de destaque, o que acabou causando um clima muito agradável de elogios e reconhecimentos (mas confesso que isso não foi planejado).Obs.: em qualquer momento desta Retrospectiva, os membros do time podiam marcar um risco no post-it e, com isso, não declararem nenhuma informação para a respectiva parte. No caso, essa situação ocorreu muito pouco conosco.
  5. Logo a seguir, a gente focou na seguinte situação: Qual será nosso maior desafio para conseguir entregar os objetivos do projeto? Ou: Qual é o “monstro” que a gente precisará vencer? Um resultado interessante que obtivemos foi a repetição de uma mesma situação, o que reforçou a necessidade de atuarmos naquele assunto. Eles(as) poderiam colocar, por exemplo, um desafio técnico, um medo, uma incerteza, enfim, algo que poderia ser “assustador” para o projeto. Isso nos ajudou muito a planejar nossos próximos passos como uma equipe;
  6. Esta parte focou no seguinte ponto: nossos super poderes (parte 4) e nossas características (parte 1) são o suficiente para conseguirmos vencer esse monstro (parte 5)? Partindo desta pergunta, cada membro pôde colocar um plano de ação, um item a ser feito para que a equipe consiga derrotar o monstro identificado, bem como para superar os potenciais futuros desafios do projeto. Para facilitar, você também pode aproveitar este momento da Retrospectiva e realizar duas perguntas básicas: “Temos algo para fazer?” “O que podemos melhorar?”.

As seis partes deste exemplo de Retrospectiva Lúdica fecham a proposta e o formato da dinâmica. No contexto de organização e lógica estrutural, é possível perceber que as partes:

  • 2 e 3 trataram do passado do projeto;
  • 1 e 4 observaram características atuais (presente) da equipe;
  • 5 e 6 apresentaram potenciais situações do futuro do projeto.

Porém, os tópicos apresentados podem não cobrir todos os temas necessários para serem debatidos naquele momento do projeto. Portanto, há a última parte (número 7) da dinâmica, representada pelos balõezinhos de pensamento acima do desenho da equipe (ao lado da parte 1). Nesse momento, os membros do time podiam escrever o que desejassem (fora do contexto da Retrospectiva Lúdica, e tanto pontos positivos quanto situações que precisavam ser melhoradas). Alguns exemplos: problemas na comunicação, questões envolvendo a priorização das demandas, bom desempenho da equipe, entre outros.

Por fim, após debatermos os pontos encontrados na parte 7, concluímos a dinâmica.

Mas este formato de Retrospectiva sempre funciona?

Não posso afirmar que sempre irá funcionar, pois depende de vários contextos relacionados ao projeto. Posso citar algumas características desta equipe que, na minha opinião, ajudaram no sucesso deste exemplo de Retrospectiva Lúdica:

  1. Éramos uma equipe bem estruturada, com todos os papéis definidos e presentes ativamente no time. Logo, tínhamos várias visões diferentes sobre os problemas, bem como diversos tipos de habilidades. Portanto, apenas 1 post-it por pessoa (em cada seção) ajudou a englobar muitos pontos de vista;
  2. Tivemos, ao longo dos 6 meses avaliados na Retrospectiva, apenas duas mudanças de pessoas, o que facilitou muito para o time atingir uma maturidade de trabalho em equipe e auto-organização. É provável que avaliar um período extenso de tempo não seja muito interessante para equipes que tiveram muitas mudanças de pessoas alocadas;
  3. Nós também tínhamos outra estrutura de Retrospectivas, uma que seguíamos com periodicidade definida. Logo, essa proposta surgiu para agregar e sair um pouco da rotina, e não para substituir ou se tornar o formato padrão;
  4. Estávamos em um momento muito bacana do projeto, no sentido de integração, companheirismo e parceria. Isso provavelmente facilita a realização deste tipo de dinâmica (talvez não funcionasse em alguma equipe com características diferentes das quais eu mencionei).

De qualquer maneira, acredito que você possa testar este modelo de Retrospectiva em seus projetos também. O principal objetivo desta proposta é estruturar a extração de informações de uma forma lúdica, onde, através de analogias (os desenhos), seja possível estimular o pensamento crítico, bem como garantir a atenção dos membros do time durante toda a dinâmica.

 

Henrique A. de Oliveira, agile coach e product manager da Plataformatec.

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