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O fim do Facebook?

“Para 2018, meu desafio pessoal tem sido o foco em abordar algumas das questões mais importantes enfrentadas pela nossa comunidade – seja para evitar a interferência eleitoral, impedir a propagação do discurso de ódio e desinformação, garantir que as pessoas tenham controle sobre suas informações e garantir serviços que melhoram o bem-estar das pessoas. Em cada uma dessas áreas, tenho orgulho do progresso que fizemos”. Zuckerberg, Mark; 28 de dezembro de 2018.

“Tenho orgulho do progresso que fizemos” pode ser tanto o epitáfio definitivo daquela que ainda é a maior rede social que já existiu no planeta como também a medida exata do quão alienado está seu fundador em relação aos problemas enfrentados por sua própria empresa e, principalmente por seus usuários.

Para muitos, o fim do Facebook está próximo.

2018: o ano que o Facebook gostaria de esquecer

É impossível imaginar um ano pior na história do Facebook. Desde 25 de julho até agora, as ações da empresa acumulam uma queda de 38% na Bolsa de Valores. O próprio Zuckerberg, que se comprometeu a vender de 35 milhões a 75 milhões de ações pessoalmente e investir sua fortuna em projetos sociais, não vendeu um único papel no último trimestre do ano em virtude do patamar baixo.

O que aconteceu? Resumindo em uma única palavra: tudo.

O escândalo da venda e manipulação de dados de usuários pela Cambridge Analytica foi o ponto alto de um ano marcado por diversos incidentes. A empresa de pesquisa de intenção de voto teve acesso a dados de 87 milhões de usuários do Facebook por meios que não eram transparentes e colocaram em dúvida a idoneidade da própria rede social. Para congressistas, usuários, especialistas em questões de privacidade e analistas políticos, essa é uma quebra de confiança que demorará muito para ser corrigida e abriu caminho para muitos questionamentos.

Como se esse escândalo não fosse perturbador o suficiente, o Facebook removeu seu Chefe de Segurança Alex Stamos do cargo por disputas de poder internas. Há indícios fortes de que Stamos tentou alertar a cúpula executiva sobre vulnerabilidades na plataforma, inclusive a interferência russa, diversas vezes sem sucesso. Foi recompensado com a demissão. Pior ainda: seu cargo continua vago, meses depois do seu afastamento em Agosto e não há qualquer movimentação na empresa para que a posição volte a ser ocupada. Não há ninguém no momento que possa assumir publicamente a responsabilidade por futuros vazamentos ou incomodar, digo, informar a diretoria sobre problemas.

Além de Stamos, o Facebook precisou encarar também a fuga dos fundadores do Instagram e a ira do criador do WhatsApp. Esse último chegou a aderir ao movimento #deletefacebook, iniciado após o desastre de relações públicas da Cambridge Analytica. Quem vive nos bastidores de uma das maiores empresas de tecnologia da atualidade está insatisfeito com Zuckerberg e seu círculo interno de executivos e forma como eles estão administrando as operações, principalmente das empresas que foram compradas para debaixo do mesmo teto.

Como desgraça pouca é bobagem, o Facebook ainda foi afetado por um bug na sua API de fotografia que permitia que terceiros obtivessem acesso indevido a fotos de milhões de usuários. A brecha de segurança ainda revelou uma realidade ainda mais assustadora: imagens enviadas para a rede social mas não publicadas continuavam armazenadas indefinidamente nos servidores do Facebook.

Outros bugs ao longo do ano permitiram acesso a lista de curtidas de usuários, apagaram transmissões ao vivo e até mesmo provocaram alterações nas configurações de privacidade.

Uma falha no sistema muito maior esteve ativa desde Julho de 2017, mas só foi detectada e corrigida em Setembro. Oficialmente, os três bugs que ficaram obscuros por mais de um ano permitiram controle total das contas de pelo menos 50 milhões de usuários. Há suspeitas que a vulnerabilidade tenha sido explorada por uma nação estrangeira com propósitos ainda não identificados.

Ainda em 2018, o Facebook foi arrastado para uma crise diplomática em Myanmar. Um representante da ONU apontou a rede social como principal plataforma de disseminação de discurso de ódio no país, que levou a um genocídio. Zuckerberg desculpou-se pelo incidente, algumas centenas de contas e páginas foram banidas da rede social, mas o estrago já estava feito e o Facebook segue sem um escritório regional no país.

Para mais uma vez tentar combater a propagação de conteúdo que viole suas políticas de uso, o Facebook ampliou seu quadro de funcionários moderadores para mais de 30.000 pessoas. Mesmo assim, os problemas continuam aparecendo. E também existem denúncias de péssimas condições de trabalho para os moderadores, incluindo baixos salários e nenhum tipo de apoio psicológico para quem precisa lidar diariamente com o lixo da internet, incluindo imagens de violência, crimes e terrorismo.

Apesar de tudo isso, “tenho orgulho do progresso que fizemos”, declarou o homem que um dia chegou a sonhar com a presidência dos Estados Unidos.

O que diz Zuckerberg?

Obviamente, Mark Zuckerberg joga para a plateia. Como bom estadista, mantém o sorriso travado no rosto mesmo quando está sendo massacrado por um pesado interrogatório diante de deputados e senadores norte-americanos. Mesmo escoltado por forte aparato policial. Mesmo na berlinda, defendendo a empresa que fundou do indefensável.

Alteramos fundamentalmente nosso DNA para nos concentrar mais na prevenção de danos em todos os nossos serviços, e transferimos sistematicamente uma grande parte de nossa empresa para trabalhar na prevenção de danos.

(…)  Aprendi muito com o foco nessas questões e ainda temos muito trabalho pela frente. Estou orgulhoso do progresso que fizemos em 2018 e grato a todos que nos ajudaram a chegar até aqui – as equipes dentro do Facebook, nossos parceiros e os pesquisadores independentes e todos que nos deram tanto feedback. Estou comprometido em continuar progredindo nessas questões importantes à medida que entramos no novo ano.

Também estou orgulhoso do resto do progresso que fizemos este ano. Mais de 2 bilhões de pessoas agora usam um de nossos serviços todos os dias para ficarem conectados com as pessoas que mais importam em suas vidas. Centenas de milhões de pessoas fazem parte de comunidades que nos dizem ter o seu apoio social mais importante. As pessoas se uniram usando essas ferramentas para levantar mais de US $ 1 bilhão em causas e encontrar mais de 1 milhão de novos empregos. Mais de 90 milhões de pequenas empresas usam nossas ferramentas, e mais da metade afirma ter contratado mais pessoas por causa delas. Construir comunidades e aproximar pessoas é um caminho e estou comprometido em continuar nosso progresso nessas áreas também.

Mas nem tudo é conversa de assessoria de imprensa e há uma sutil admissão de culpa, assim como um presságio para o que ainda nos aguarda, escondidos no discurso de fim de ano de Zuckerberg e talvez esses sejam os pontos em que mais precisemos nos concentrar:

Isso não significa que pegaremos todos os atores ruins ou conteúdos ruins, ou que as pessoas não encontrarão mais exemplos de erros do passado antes de melhorarmos nossos sistemas. Para algumas dessas questões, como interferência eleitoral ou discurso nocivo, os problemas podem nunca serem resolvidos completamente.

O fim do Facebook?

O volume de usuários da rede social não parece balançar, ainda que certamente haja um limite técnico para seu crescimento: simplesmente não há tanta gente no mundo que ainda não tenha sua conta lá e esse teto está bem próximo. Nem mesmo campanhas como o #deletefacebook abalam de forma significativa sua audiência cativa, para não dizer aprisionada.

Por conta de todos esses desafios, o acadêmico norte-americano Tim Wu propõe a intervenção federal no conglomerado corporativo no qual o Facebook se tornou. Seu livro mais recente, “The Curse of Bigness: Antitrust in the New Gilded Age“, recomenda a aplicação das leis antitruste contra esse e outros gigantes da tecnologia. O monopólio de Mark Zuckerberg sobre os dados e interações sociais de bilhões de pessoas no planeta estariam, além dos problemas já citados, interrompendo o progresso da própria tecnologia pela absoluta ausência de competidores e incentivo para inovação, de acordo com Wu.

Acho que precisamos simplesmente perguntar [se] o que uma grande empresa está fazendo é parte do processo competitivo. Se, de fato, eles estão destruindo a outra empresa com base no mérito ou se estão excedendo os limites do que é considerado uma concorrência justa. Você quer que a competição seja algo em que o melhor produto vence, e a pergunta é: o réu está ganhando porque tem um produto melhor ou está ganhando porque está usando truques sujos?

(…) O Facebook se senta com alguém e diz: ‘Poderíamos roubar a funcionalidade e trazê-la para a nave mãe, ou você poderia nos vender a esse preço aqui’.

Mas a resposta aos seus defeitos está vindo na forma de investidores insatisfeitos. E essa resposta ataca sempre onde dói mais: no bolso. Pode-se esperar uma guinada ainda mais agressiva do Facebook em relação a sua principal fonte de faturamento, a receita publicitária gerada a partir da customização de anúncios. Quando o produto é grátis, o produto é você e o Facebook precisará e irá descobrir novos métodos de cruzar cada vez mais os dados de seus usuários para agradar os anunciantes, mesmo que tenha que, outra vez, quebrar algumas barreiras éticas.

Ou nada disso pode acontecer e o reinado de Mark Zuckerberg pode se estender por mais uma ou duas décadas. Para Wu, esse seria o pior dos cenários: “poderíamos muito bem ter o Facebook – uma empresa ineficiente, ineficaz e obsoleta – por mais 20 anos”.

Essa não é a primeira vez que o fim do Facebook é previsto. Em 2011, a Forbes já fazia essa previsão. E aqui estamos novamente, debatendo as mesmas profecias.