Categorias

O que aconteceu com o ICQ?

Quem não ouviu o barulhinho de mensagem nova só de olhar para o título desse Artigo? Mais de vinte anos depois, a nostalgia ainda bate forte em quem viveu a adolescência se comunicando com amigos do mundo todo usando o ICQ, muito antes de MSN, Skype ou WhatsApp.

Durante o alvorecer da web, o ICQ era o aplicativo de mensagens padrão de todo mundo que não manjava MIRC ou não queria se arriscar na terra de ninguém dos chats de portal. Foi uma curta, mas marcante hegemonia. De onde ele veio? Como se tornou um gigante? E, principalmente, onde ele está agora?

Ascensão

Para entender o surgimento e a explosão do ICQ é preciso primeiro entender o cenário da internet em 1998. Apesar da World Wide Web já ter uma certa estrada, até mesmo entre os usuários comuns, o conceito de troca de mensagens em tempo real não era ainda um fenômeno e a maioria das pessoas que estava entrando na rede utilizava o bom e já velho email.

Embora soluções de comunicação instantânea remontem até os anos 60, quando o Compatible Time-Sharing System (CTSS) do MIT já permitia 30 usuários conectados em múltiplos sistemas conversando ao mesmo tempo, faltava uma aplicação que fosse ao mesmo tempo ampla, simples de usar e popular. O passar dos anos viu a ascensão das BBS e do IRC (e seu programa quase padrão, o MIRC), mas quem conseguiu a façanha de estar no lugar certo, na hora certa, com o produto certo foi a startup israelense Mirabilis.

E empresa foi fundada em Junho de 1996 por  Arik Vardi, Yair Goldfinger, Sefi Vigiser e Amnon Amir e foram necessários apenas esses quatro desenvolvedores para darem o pontapé inicial na febre dos instant messengers.

O quarteto havia saído das fileiras da Zapa Digital Arts, desenvolvedora de softwares gráficos 3D e estava interessado em criar alguma coisa que pegasse carona na emergente popularidade da web. Em apenas dois meses, já tinham o ICQ em mente. Pronunciado em Inglês, o nome fica “I Seek You” ou “Eu Busco Você” e combinava ao mesmo tempo um diretório de pessoas registradas, com a possibilidade de conversação em tempo real entre elas.

Se sobrava a ideia, faltava o capital necessário. Entrou em cena, então, Yossi Vardi, pai de Arik, um dos fundadores de um gigante da indústria química em Israel e investidor poderoso. Ele apostou algumas centenas de milhares de dólares no projeto e os quatro desenvolvedores se mudaram para os Estados Unidos, em busca de uma conectividade melhor com a internet. A Mirabilis funcionava em um modesto apartamento em San Jose, na Califórnia.

Distribuído de graça a partir daquele mesmo ano, o ICQ começou a se espalhar como uma cascata, com um amigo indicando a outro que indica para outro. Com um sistema de identificação baseado em um número de série, o UIN, o ICQ chegou perto de se tornar um novo padrão, como números de telefone ou endereços de email.

Queda

Foi apenas uma questão de tempo para o sucesso do ICQ chamar a atenção da AOL. O colosso da internet que acabaria se tornando dono também do Winamp e do Netscape, soltou o cheque e comprou a Mirabilis inteira em 1998.

Era uma espécie de volta às origens, considerando que a própria AOL devia muito às mensagens instantâneas. A empresa que entraria para a História como um dos maiores nomes do acesso à internet tinha começado nos anos 80 como Q-Link, um serviço incluído no Commodore 64 que permitia que os seus usuários enviassem mensagens de texto uns para os outros por modem mediante uma taxa mensal.

Mas, se a AOL havia cometido erros administrativos com o Winamp e comprado uma empresa fadada a desaparecer como no caso da Netscape, o tiro no pé com o ICQ foi completamente diferente. A AOL havia comprado a Mirabilis para incorporar o produto com uma estratégia muito bem definida

Um ano antes da aquisição, a multicorporação tinha colocado no mercado o AIM, ou AOL Instant Messenger, um programa de mensagens instantâneas que fazia rigorosamente o mesmo que o ICQ, mas dentro do ecossistema da AOL. Comprar o rival era a ação mais lógica a ser executada. Foram oferecidos US$287 milhões à vista pela startup, mais US$120 milhões anuais por três anos, baseados em performance, o maior valor já oferecido até então por uma empresa israelense.

Até 2003, a Mirabilis continuou sendo administrada pelos seus criadores e vicejou, mesmo dentro do competitivo cenário com o AIM. Em 2001, o ICQ chegou ao ápice de 100 milhões de usuários registrados em todo mundo. Entretanto, a AOL patentearia a tecnologia com sucesso em 2002 e a queda do ICQ dentro da empresa se iniciaria.

Em 2005, o AIM assumiria a liderança dos programas de mensagens instantâneas, derrubando oponentes poderosos como o Microsoft MSN e o Yahoo Messenger. Cinco anos depois, a AOL passaria o ICQ para frente para a Mail.Ru, pelo valor de US$187 milhões.

Ocaso

Na época da venda, o ICQ ainda detinha 42 milhões de usuários diários. Embora tivesse sido ultrapassado em solo americano por outras alternativas, incluindo aí os emergentes Skype e Google Talk, o ICQ possuía uma forte presença no mercado russo, o que justificava o interesse de uma empresa local em adquirir o serviço.

Ao contrário de outros programas vistos anteriormente nessa série, o ICQ não desapareceu e tampouco foi descontinuado em momento algum. A explosão das plataformas móveis e o sucesso de aplicativos de mensagens não foram ignorados por seus novos desenvolvedores e o ICQ pode ser encontrado hoje disponível em uma ampla variedade de plataformas, do Windows Phone ao Symbian, passando por PC, Mac, BlackBerry, iOS e Android.

Muitas e modernas funcionalidades foram adicionadas ao programa para mantê-lo competitivo e ele está bem diferente do que a maioria dos seus usuários dos anos 90 se lembra. Seu código fonte está até mesmo disponível na Github para quem quiser contribuir para sua evolução.

No aniversário de 20 anos do programa, Igor Yermakov, responsável pelo desenvolvimento do produto na Mail.Ru, declarou: “a história do ICQ é parte integrante da história da Internet, e estamos muito orgulhosos e empolgados por trabalhar no desenvolvimento dela. Hoje, o ICQ é popular tanto para quem começou a usá-lo no computador quanto para as crianças que o instalaram em smartphones e tablets. Isso significa que estamos no caminho certo: continuaremos aprimorando a funcionalidade do aplicativo para satisfazer as necessidades emergentes dos usuários e seguir as tendências de comunicação”.

Não por acaso, ele segue sendo um sucesso em diversos mercados, dominando uma fatia de 18.5% dos usuários residenciais na Alemanha e impressionantes 28% da preferência nos Estados Unidos.

No Brasil, onde predomina a hegemonia quase universal do WhatsApp, o ICQ não figura nas estatísticas e faz parte apenas da memória das pessoas que viveram seu apogeu.