Em 1º de junho de 1999, o mundo era apresentado de forma tímida a uma revolução: um programa que permitia aos seus usuários compartilharem seus arquivos MP3 uns com os outros. Era o início de um conceito que ganharia um volume inesperado, sacudiria a indústria fonográfica e modificaria a forma como consumimos música e teria efeitos mesmo 20 anos depois.
Infelizmente, para o próprio bem do Napster, esse era um conceito que precisava ser extinto e, em 2011, o programa foi praticamente obliterado da face da Terra.
Ascensão
No outono de 1998, “Napster” não era um software. Era uma pessoa, o nome de usuário de um adolescente de 17 anos chamado Shawn Fanning no canal w00w00 do MIRC, um ponto de refúgio para hackers de elite vinte anos atrás. Fanning soltou no grupo uma ideia que ele já vinha martelando na cabeça: criar uma rede privada de computadores onde todos teriam acesso aos arquivos musicais de todos simultaneamente, para compartilhar música.
É preciso entender que, no final dos anos 90, a popularidade dos arquivos MP3 já estava assegurada e a disponibilidade de música para baixar na internet não era das melhores. Ilegalmente, os usuários dependiam de conexões de baixa velocidade e servidores que podiam ou não conter o arquivo que desejavam. Legalmente, sequer havia uma alternativa de qualidade. A ideia de compartilhar arquivos e banda ponto a ponto (P2P) entre todos aqueles que buscavam era ao mesmo tempo genial e ousada demais.
Inicialmente, a ideia de “Napster” foi recebida com frieza e incredulidade até mesmo entre os frequentadores do w00w00. Exceto por um certo “Man0War”, que quase literalmente comprou a ideia. Ao contrário dos demais hackers presentes, ele tinha uma visão de negócios sem precedentes e planejava se tornar um investidor do Vale do Silício, ainda que tivesse apenas 19 anos. “Man0War” era Sean Parker e ele marcou um encontro físico com Shawn Fanning para debaterem a ideia do programa de compartilhamento. Saíram dali com um plano de ação.
Nos meses seguintes, Shawn Fanning, com a ajuda de seu irmão, John, pegou emprestado um computador no escritório de um tio e varou noites dormindo em um quartinho de produtos de limpeza. Sean Parker conseguiu reunir 50 mil dólares emprestados. Em 1999, os dois tinham um programa pronto e estavam se mudando para a Califórnia com meia dúzia de colegas do w00w00 como primeiros funcionários. Nascia o Napster.
Os números não mentem: apesar do surgimento quase improvisado, a ascensão do Napster foi meteórica. Apenas três meses depois do lançamento da versão Beta, o programa já atingia a marca de 20 milhões de usuários, compartilhando um total de 4 milhões de músicas diferentes.
Mais do que uma ferramenta, Napster se transformou em um fenômeno cultural imprevisível. Os consumidores de músicas estavam saindo de um estágio onde era possível baixar uma música de cada vez após longas buscas para um ecossistema onde se podia ter acesso garantido a uma biblioteca de proporções colossais, do raríssimo ao sucesso das rádios, passando até mesmo por material ainda não lançado oficialmente. Tudo isso sem custo algum, em um ambiente “colaborativo”.
Para muitos jovens usuários de internet (e até alguns veteranos), as implicações legais não eram óbvias, mas as vantagens eram inegáveis: um manancial aparentemente inesgotável de cultura musical estava disponível na ponta dos dedos de qualquer ponto do planeta. E esse conteúdo crescia exponencialmente quanto mais usuários se juntavam ao Napster, superando e muito o que podia ser encontrado em qualquer loja física e a maioria das lojas online.
Em seu ponto mais alto, o programa chegou a ter 80 milhões de usuários registrados. O céu parecia ser o limite, mas não iria durar muito.
Queda
Demorou um ano, mas a indústria fonográfica sentiu o peso e a ameaça daquele fenômeno digital. Os relatórios de vendas de 2000 marcavam um feito histórico: pela primeira vez na História, houve uma queda na venda de discos físicos. Era evidente que a música digital estava prestes a mudar a relação entre consumidores e produtores e o Napster era o suspeito mais provável do crime. Naquele mesmo ano, a Record Industry Association of America (RIAA) abriu um processo contra seus criadores, um processo que depois se multiplicaria em vários, com nomes de peso como Metallica e Dr.Dre se juntando ao coro que queria a queda do Napster nos tribunais.
No caso do Metallica, o incidente começou com a versão demo da música “I Disappear”, que, ao contrário do que seu nome sugere, apareceu antes da hora na rede do Napster. A faixa vazou de alguma forma, estava sendo compartilhada pelos usuários e chegou a tocar em rádios, para espanto da banda. Ao investigar o incidente, o Metallica não apenas descobriu que a música estava lá, como também todo o seu catálogo musical. Perplexos, optaram por uma solução na Justiça.
A posição do Metallica não era uma unanimidade entre os músicos do início dos anos 00. Para Chuck D, do Public Enemy, o Napster era “a nova rádio”, no sentido que levava novas sonoridades para uma nova geração de futuros ouvintes. Wyclef Jean, do The Fugees, defendia que sua música deveria chegar a todos que quisessem ouvi-la, independentemente da forma. Billy Corgan, líder dos Smashing Pumpkins, tinha uma visão mais conformista e chegou a declarar que “não há como pará-lo. A revolução já tomou forma”.
Indiferentes a tudo, 14 mil músicas estavam sendo baixadas por minuto na plataforma. A RIAA tentava conter o fluxo e chegou a processar individualmente 18 mil usuários do serviço de compartilhamento, sem fazer distinção entre quem compartilhava dez, vinte, cem ou milhares de músicas. Ainda assim, era uma gota no oceano de 80 milhões de usuários.
Atacar a ponta do ecossistema não surtiria o efeito desejado e a única forma de deter o crescimento do Napster era fechar o Napster. Ao contrário de aplicações P2P que viriam depois, o Napster possuía um núcleo que poderia ser afetado. E, apesar do faturamento, das capas de revista, das entrevistas, da popularidade, as despesas legais estavam consumindo a empresa e destruindo a parceria entre Fanning e Parker.
Esse último foi expulso do Napster por conta de emails vazados onde se referia aos seus usuários como piratas de músicas, uma associação que a empresa negava nos tribunais para se salvaguardar. Reza a lenda que Parker pediu perdão para Fanning e tentou permanecer, mas Fanning teria respondido: “você tem sorte, está livre para fazer outras coisas”. Pouco tempo depois, o próprio Fanning também deixaria a empresa e o programa que ajudou a criar.
Em julho de 2011, a Corte bateu o martelo e deu vitória para a RIAA: o Napster foi obrigado a desligar sua rede permanentemente e assumiu uma dívida de indenização, no total de 36 milhões de dólares.
Ocaso
Apesar do sucesso levantado em dois anos de operações, o Napster não tinha esse capital. Com o desligamento da rede, a única coisa que o Napster tinha era seu bom nome e foi isso que seus sócios remanescente tentaram fazer: transformar a marca em um serviço legal de distribuição de música licenciada. Para tanto, era necessário um formato proprietário capaz de garantir a proteção dos direitos autorais (DRM). Mas também era necessária a boa-vontade dos detentores das licenças originais, no caso, a indústria fonográfica. Por razões óbvias, as empresas associadas com a RIAA não queriam qualquer tipo de ligação com as atividades do novo Napster.
Em 2002, a empresa abriu falência e todo o seu ativo foi leiloado para terceiros a preço de banana. Daí pra frente, o nome que uma vez tinha pertencido a Shawn Fanning se transformou em uma espécie de batata quente. A primeira empresa a tentar ficar com a marca Napster foi a gigante alemã da mídia Bertelsmann, mas a compra foi embarreirada pela Justiça norte-americana por dívidas ainda pendentes do Napster. A marca acabaria parando nas mãos da Roxio, que mudaria o nome de seu serviço de streaming de música de Pressplay para Napster 2.0.
A iniciativa não daria muito certo e o Napster seria vendido novamente em 2008 para a Best Buy, também na esperança de alavancar um serviço de vendas de músicas online. Com apenas 700 mil inscritos agora, o Napster voltaria a ser vendido logo depois, desta vez para o Rhapsody.
A estrela nunca mais voltaria a brilhar para Shawn Fanning. O jovem idealista que queria abrir o mundo da música para todos ainda participaria de outros projetos e startups, como Rupture, Snocap, Path.com, Airtime.com e outros, sem repetir uma fração do mesmo sucesso anterior.
Sean Parker, o eterno apostador com olho clínico, investiria tempo e dinheiro em uma outra startup promissora chamada Facebook, chegando ao posto de presidente. Apesar de ter se despedido da rede social em 2005, isso o tornaria bilionário.
Mas Parker não pararia por aí: ele se tornaria também um dos investidores iniciais em uma empresa sueca de streaming legal de música conhecida como Spotify. Era o círculo de 1999 se fechando, quase duas décadas depois. O adolescente Daniel Ek foi um dos vários usuários do Napster na época e cresceria com aquela visão na sua mente, a possibilidade de ter praticamente todas as músicas do planeta acessíveis em forma digital. Ek transformaria esse sonho em realidade ao criar o Spotify.
Apesar da marca Napster ter praticamente desaparecido na obscuridade, sua influência não. Ele mostrou aos consumidores uma nova forma de interagir com a música, com um espectro muito maior de sonoridades do que aquelas oferecidas anteriormente. Ele mostrou para a indústria fonográfica uma demanda até então oculta e hoje os serviços de streaming legal são a principal fonte de renda do setor. Até mesmo a face da pirataria foi modificada pela passagem do Napster, com outros programas e redes P2P surgindo no seu vácuo e permanecendo ativos até hoje, embora sem o mesmo peso cultural de antigamente.