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O que aconteceu com o Winamp?

Se você ouvia arquivos MP3 no final dos anos 90 (e quem não ouvia, legalmente ou não?), é quase certo que você usou o Winamp. A menos que você fosse um dos adeptos do Windows Media ou um ousado fã do Real Player. Mas a verdade é que o Winamp dominava o cenário com folga.

O programa desenvolvido pela Nullsoft não nasceu com essa hegemonia em mente mas poderia ter conquistado muito mais do que conquistou, perdendo a chance de dar o pontapé inicial no mercado de consumo de músicas por streaming. De onde ele veio? Como se tornou um gigante? E, principalmente, por que ele desapareceu?

Ascensão

Embora os engenheiros do Fraunhofer-Gesellshaft Institute tivessem liberado no mundo o primeiro codec de compressão para MP3 em 1994, ainda demorariam três anos para o formato se popularizar. O motivo era óbvio: não havia programas amigáveis para o consumo de músicas nesse formato. Apesar do Windows Media Player e do Real Player oferecerem suporte ao formato, faltavam funcionalidades básicas, como a criação de listas de execução, por exemplo. Pensando nisso, Justin Frankel criou o Windows Advanced Multimedia Products (WinAMP).

É preciso entender que Frankel era um adolescente de 18 anos, morando com os pais na pequena Sedona, no estado norte-americano do Arizona. Com apenas 10 mil habitantes, a cidadezinha não apenas não tinha qualquer vocação para polo tecnológico, como também estava muito longe do Vale do Silício. Sua belas paisagens e sua atmosfera pacata a tornaram um ímã de turistas em busca de uma conexão maior com a natureza e seu lado espiritual. Ainda assim, foi o berço do Winamp.

Rapidamente, Frankel se deu conta que tinha em mãos um sucesso inacreditável. No começo, ele teve o apoio de Dmitry Boldyrev, outro estudante da Universidade de Utah, como ele. Meses depois do lançamento da primeira versão, que era pouco mais que uma barra de menu e botões de parar, tocar e pausar, o Winamp ganhava o visual que se tornou clássico, funcionalidades poderosas e passava a pertencer à “Nullsoft”, uma empresa formada por Frankel, seu pai como diretor financeiro e Rob Lord, 20 anos, contratado como diretor estratégico.

No ano seguinte, já contabilizava três milhões de downloads. Vendido como shareware, na verdade o Winamp não tinha nenhuma funcionalidade bloqueada. Ou seja, pagava quem realmente queria ajudar no seu desenvolvimento. Ainda assim, a Nullsoft chegou a faturar US$100.000 por mês em cheques de US$10 que chegavam pelo correio.

Em 1999, o modesto Winamp acumulava uma base de usuários de 15 milhões no mundo todo. É claro que as ofertas de compra chegavam por todos os lados. Frankel, seu pai e Lord avaliaram cada uma delas, até aceitarem a proposta da AOL, no valor de 400 milhões de dólares em ações da empresa. Era ao mesmo tempo o começo do profissionalismo em seu desenvolvimento e o começo do seu fim.

Queda

Desde os primeiros minutos, estava claro que a AOL não sabia exatamente o que fazer com o Winamp e que a Nullsoft não se encaixava nos padrões de uma startup convencional. Adquirida junto com a empresa de streaming Spinner, baseada em San Francisco, as diferenças entre as duas era gritante, mas mesmo assim a AOL decidiu consolidar as duas em uma mesma operação e espaço físico.

“A lógica geral era que a Spinner tinha construído um serviço e tinha uma equipe de gerenciamento muito bem experiente no local”, explica Fred McIntyre, Vice-Presidente da Spinner na época e encarregado de trabalhar diretamente com a Nullsoft. “O Winamp construiu um produto e uma plataforma capaz de gerar uma adoção significativa de usuários”.

Frankel e uma lhama, animal que se tornaria o símbolo do Winamp.

Frankel e sua equipe foram obrigados a se mudar para um galpão da Spinner.  Enquanto essa já contava com dezenas de empregados organizados em baias dentro do armazém adaptado, a Nullsoft era composta por apenas quatro funcionários em 1999. Frankel não pensou duas vezes: comprou uma tenda colossal e armou praticamente um acampamento no centro do galpão. Era um enclave de caos no meio de uma startup com hierarquias bem definidas. E, na verdade, ninguém sabia quem mandava ali: a Nullsoft ou a Spinner.

Apesar disso, o Winamp continuava sendo baixado e baixado: os 15 milhões de usuários se tornariam 60 milhões em 2001. E o tráfego maciço em seu site oficial gerava uma renda publicitária com anúncios elevada o bastante para sustentar com folga suas operações. Novos funcionários foram contratados para evoluir o programa.

É claro que a AOL não tinha comprado a Nullsoft e a Spinner para ficar coletando faturamento de banner. Foi então que a empresa bateu o martelo e decidiu que a Spinner, a startup mais convencional, iria assumir o controle administrativo e financeiro total. E isso desagradou todo mundo na Nullsoft.

Mesmo com o atrito, o Winamp esteve a um passo de conquistar um mercado ainda mais amplo e se tornar precursor dos serviços de streaming de música. Chamath Palihapitiya, da Nullsoft, e o próprio McIntyre, da Spinner, elaboraram um projeto do que seria um serviço de assinatura, combinando as duas tecnologias. Era 2000 e as empresas tinham tudo para sair na frente da concorrência.

Mas a burocracia atrasou o desenvolvimento. A AOL insistiu que o serviço fosse integrado ao sistema de assinaturas da AOL, obrigando os usuários a terem uma conta AOL. A implementação disso foi lenta e o chamado MusicNet da AOL só estreou mesmo em 2003, anos depois do Rhapsody, lançado em 2001.

Para piorar a situação, a lacuna entre o modo de pensar da Nullsoft e o modo de pensar da AOL se estendia também para seus usuários. O Winamp cresceu entre entusiastas de música e tecnologia, que discutiam o bitrate de seus MP3 e frequentavam fóruns para pesquisar plugins. Eram o exato oposto do público médio que consumia os produtos de internet da AOL.

Ocaso

“Não há nenhuma razão para que o Winamp não pudesse estar na posição em que o iTunes está atualmente, se não fosse por algumas camadas de má administração da AOL que começaram imediatamente após a aquisição”, desabafou Rob Lord, o primeiro gerente geral do Winamp, lá nos tempos de Sedona.

Ele estava certo: com a compra da AOL pela Time-Warner, a empresa passou a dominar um vasto catálogo de mídia. Eles tinham o conteúdo, eles tinham o programa e eles tinham um serviço de streaming. Poderiam ter revolucionado o consumo de música, mas a AOL estava concentrada em atrair usuários para seus serviços de internet e o MusicNet nunca decolou como deveria.

Em 2001 veio um novo prego no caixão: o lançamento do iPod. Da noite para o dia, uma única empresa tinha o dispositivo que todos usariam para ouvir seus MP3 e o software não era mais importante.

Enquanto isso, Frankel estava inquieto. Não se limitando ao Winamp, ele lançou o Gnutella, uma rede de compartilhamento de arquivos P2P e era alvo de processos por parte da poderosa indústria fonográfica. Para a AOL, era um profundo incômodo que um de seus membros estivesse envolvido com algo visto como ilegal. Não satisfeito, Frankel desenvolveu um aplicativo para bloquear a exibição de anúncios no AOL Instant Messenger.

Em 2003, Frankel tentaria lançar WASTED, uma mistura de chat privado e serviço de compartilhamento de arquivos protegido por criptografia. Em 24 horas, a AOL desativou a rede.

Quando a AOL tentou forçar a instalação do acesso ao seus serviços de internet durante a instalação do Winamp, Frankel perdeu a cabeça. Ele declarou verbalmente que seus usuários não queriam instalar o AOL porque achavam que a AOL era uma porcaria. No mesmo ano, o criador do Winamp apenas aguardaria o lançamento da versão 5 do programa para pedir as contas, sem olhar para trás. Um ano depois, todo o time da Nullsoft seria dissolvido. Era o fim de uma era.

Segundo McIntyre, “entre 2002 e 2007, Winamp foi um trunfo que AOL sabia que era valioso, mas não sabia que p*** fazer com ele”. Mesmo com o desenvolvimento praticamente estagnado no período, o programa atingiria a marca de 90 milhões de usuários em 2007, quando ganhou uma edição comemorativa de seu aniversário de dez anos.

A AOL mantinha um time de cerca de cinco funcionários para fazer o site funcionar e corrigir bugs. Contrariando todos os prognósticos, o Winamp ganhou uma sobrevida: o time restante modernizou a tecnologia, atualizou os codecs, traduziu o programa para outras línguas (nesse ponto, 90% da base de usuários estava fora dos Estados Unidos), monetizou o site e seguiu em frente, de forma quase independente da AOL, uma espécie de retorno às origens. Uma versão “premium” batizada de Winamp Pro se tornou uma outra forma de gerar renda para o produto. Era o Winamp 5.5, o penúltimo antes do fim.

O programa ainda chegaria na versão 5.6 e ganharia versão para Android, mas em 2013 a AOL deu o veredito: o site winamp.com seria fechado e o programa não seria mais oferecido para download.

Rumores de que a Microsoft compraria o que restou do acervo da Nullsoft não se concretizaram. Apesar disso, o Winamp não daria seu último suspiro naquele ano. A AOL manteve o site operando até Janeiro de 2014 e pouco tempo depois, winamp.com ressurgiu sob nova direção, comprado por uma empresa de rádios online da Bélgica. O promissor produto que a AOL comprara por 400 milhões de dólares em 1999 era vendido quinze anos depois pela bagatela de menos de 10 milhões de dólares pela Radionomy.

Apesar da empresa ter prometido impulsionar novamente o Winamp, em quatro anos desde sua aquisição, o programa nunca teve uma nova versão distribuída para download. Um desenvolvedor em 2015 afirmou que estava testando uma nova build do software, mas, desde então, a conta oficial do Twitter foi tomada pelo silêncio. A oferta de plugins e skins foi removida do site e hoje só pode ser encontrada em sites de terceiros.

Veredito: o Winamp pode não estar oficialmente morto, mas se encontra em uma espécie de limbo, sem novas versões ou mesmo correções há anos. Em vinte anos desde sua criação, o consumo de música mudou completamente entre os usuários e sua incapacidade de adaptação, em grande parte explicada por decisões tomadas pela AOL, foi a causa de sua queda.