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Retrospectiva (positiva) de 2020

Quando olharmos para trás em direção ao ano de 2020, não terá como fugir do novo coronavírus. A pandemia se tornou a face de 2020 e deixará sequelas na sociedade, na economia e na política que ainda poderão ser sentidas ao longo de toda a década. Erros foram cometidos, acertos aconteceram e a crise da COVID-19 parece agora caminhar para o seu final.

Entretanto, esse não é mais um artigo para relembrar a pandemia, mas uma tentativa de se jogar uma luz sobre os assuntos positivos de 2020 que podem ter passado despercebidos diante da imensidão do coronavírus. Se não fosse pelas vítimas dessa tragédia, talvez todas as retrospectivas pudessem ser mais suaves. É lamentável que não possa ser assim.

Destacamos aqui uma retrospectiva positiva, sem preocupação com ordem cronológica ou importância.  Diante daquilo que não pode ser desfeito, nos resta manter a esperança de um 2021 melhor e compreensão de que houve bons momentos em 2020 e de que a Humanidade segue sua caminhada.

Tecnologias inovadoras

A despeito de teorias conspiracionistas, 2020 foi o ano em que o 5G começou a entrar em operação em diversas regiões. A tecnologia de telecomunicações deveria iniciar sua fase de testes no Brasil, mas o leilão foi adiado para o ano que vem em virtude da conjuntura. O rastro de aplicações que pode vir no advento de uma latência reduzida e maior velocidade promete mudanças em diversos campos a partir de 2021.

Na Medicina, tecnologias como CRISPR tem permitido um maior controle sobre os mecanismos do DNA e do RNA, abrindo portas para medicamentos customizados para doenças extremamente raras ou métodos melhores para remoção de condições hereditárias através da edição de genes.

Esse foi o ano em que vimos ainda mais progresso na pesquisa de senolíticos, drogas capazes de retardar o envelhecimento humano e seus efeitos nocivos. Ainda que a pesquisa não seja a chave para a vida eterna, ela traz alívio para quem sofre de doenças como osteoporose, mal de Alzheimer ou mal de Parkinson.

Em 2020 também, sistemas de aprendizado de máquina foram empregados para analisar e produzir moléculas que podem trazer resultados farmacêuticos em um ritmo que seria impossível para pesquisadores humanos. Cerca de 30 mil novas moléculas com potencial foram identificadas por esse processo, inclusive um novo e poderoso antibiótico, e algumas delas entrarão em processo de síntese e teste clínico nos próxim0s meses.

Computação

Em abril desse ano, testemunhamos a ascensão do exaFLOPS pela primeira vez. Motivados pela pandemia e o projeto Folding@Home, a computação distribuída de centenas de milhares de voluntários atingiu a impressionante marca de 2.4 exaFLOPS, conquistando uma velocidade de processamento 15 vezes superior ao supercomputador mais poderoso existente no planeta. Foi um feito histórico em tempos excepcionais, com o objetivo de analisar proteínas, realizar simulações e buscar uma saída para o novo coronavírus.

Na Austrália, outro recorde foi batido: de velocidade de transmissão de dados pela internet. Em laboratório, através de fibra ótica, foram obtidos  44.2 Terabits por segundo, o equivalente a “fazer o download de  1000 filmes em alta definição em uma fração de segundo”, nas palavras de seus pesquisadores.

O ano que passou pode não ter sido ainda o tão aguardado “Ano do Linux” nos desktops, mas o sistema operacional também quebrou barreiras. No caso, o antigo patamar de 3% de participação nesse mercado, chegando a 3,57% de instalações em PCs domésticos em julho de 2020.

Entretanto, a grande surpresa de 2020 foi o anúncio oficial de um chip experimental que faz a interface direta entre o cérebro humano e um computador. A iniciativa da Neuralink, mais uma das empresas de propriedade do polêmico Elon Musk, está em fase de testes com porcos. O magnata da tecnologia prometeu que ouviremos um álbum completo do U2 em breve, direto no cérebro, sem passar pelos ouvidos.

Exploração espacial

Elon Musk também marcou presença nos noticiários quando o assunto é exploração espacial. A sua empresa SpaceX continua na vanguarda da inovação das viagens organizadas pela iniciativa privada. Em maio, foi realizado o primeiro voo tripulado para a Estação Espacial Internacional, inaugurando uma nova era de missões orbitais norte-americanas, desde a extinção do programa dos ônibus espaciais em 2011. A façanha foi repetida em novembro e tudo indica que a NASA irá se tornar cliente assídua da SpaceX.

A mesma empresa também apresentou com sucesso uma nova linhagem de foguetes reutilizáveis e estreou sua “constelação de satélites” em 2020.

Entretanto, a empresa de Musk não está sozinha lá em cima. Enquanto seus voos se limitam à órbita terrestre no presente momento, a NASA prepara seu projeto para Marte com testes bem-sucedidos do veículo Perseverance e do helicóptero Ingenuity. Do outro lado do Atlântico, a Agência Espacial Europeia lançou a sonda Solar Orbiter para estudar o nosso Sol. A China não ficou para trás e realizou a primeira missão robótica para a superfície lunar, recolhendo amostras de solo e retornando.

Jogos eletrônicos

Em meio ao horror da pandemia e a prática do isolamento como estratégia de contenção, os jogos eletrônicos se mostraram um alento em um ano em que o cinema, espetáculos musicais, esportes e outros eventos ao vivo se tornaram um perigo para a saúde. A indústria dos games cresceu 20% seu faturamento em relação a 2019, em parte por causa do aumento da venda de jogos, mas também devido ao lançamento de uma nova geração de consoles.

O cenário favoreceu a explosão de popularidade de títulos fáceis de aprender e competitivos, como Among Us e Fall Guys, mas também houve espaço para o denso e platinado The Last of Us Part II em 2020.

A Sony colocou no mercado seu PlayStation 5, com poucos dias de diferença em relação ao concorrente Xbox Series X, da Microsoft. É o surgimento de uma nova geração, que costuma renovar toda a indústria com um hardware mais atualizado. Para os brasileiros, o preço ainda está bastante salgado, mas isso não impediu que os consoles sumissem das lojas devido à alta demanda no final do ano.

A(s) vacina(s)

Ainda assim, nenhum feito tecnológico de 2020 foi maior do que o surgimento de vacinas candidatas a conter a pandemia do novo coronavírus. Historicamente, o tempo de desenvolvimento de uma vacina desse calibre é de cerca de cinco anos. Elas são o resultado da combinação de diversos fatores que não costumam se alinhar facilmente, como pesquisas laboratoriais bem-sucedidas, testagem animal, recrutamento dos voluntários, vacinação, monitoramento dos resultados, avaliação dos órgãos regulatórios etc.

Entretanto, em menos de 12 meses, as pesquisas produziram nem uma, nem duas, mas diversas vacinas que apresentam uma resposta imunológica dentro do desejado.

Ao todo, estão registradas na OMS nada menos que 61 vacinas em fase de desenvolvimento clínico e 172 em fase pré-clínica. Foram utilizadas as mais variadas técnicas de produção, passando por subunidade proteica e o vírus inativo até a mais recente e revolucionária abordagem do uso do RNA mensageiro. Para responder à demanda da população mundial, se faz necessária uma diversidade de fabricantes, desde que mantida a eficácia final.

Tudo isso é o resultado de um esforço extraordinário jamais visto de investidores internacionais, empresas de tecnologia que cederam recursos computacionais, a indústria farmacêutica e as universidades ao redor do mundo.

Resolvido o problema do novo coronavírus, 2021 tem a perspectiva de ser um ano melhor e até mesmo iniciar uma década melhor. O desenvolvimento súbito de diversas técnicas irá favorecer pesquisas posteriores de vacinas de outras doenças. Técnicas que vinham sendo estudadas por anos ganham notoriedade agora, cientistas adquirem a expertise necessária e a própria indústria farmacêutica se mobiliza para uma produção em escala sem precedentes, uma experiência que poderá e deverá ser aplicada em enfermidades futuras.

De acordo com a OMS, essa não será a última pandemia, uma conclusão óbvia para qualquer um com o mínimo conhecimento de História ou Biologia. Porém, a COVID-19 pode ter nos ensinado a direção para que os próximos eventos desse nível não sejam tão dolorosos e os próximos anos sejam menos pesados.