Para surpresa de muitos, exceto daqueles que votaram à favor, a saída do Reino Unido da União Europeia ganhou o referendo popular na semana passada.
O evento batizado de “Brexit”, um trocadilho intraduzível com as palavras “saída” e “britânica” no original, terá impactos profundos e duradouros em diversos setores, inclusive no de Tecnologia de Informação.
O setor de TI votou em peso pela permanência do Reino Unido na União Europeia. Assim como acadêmicos, pesquisadores e alguns artistas. Ainda assim, a maioria dos britânicos entendeu a União Europeia como uma fonte de problemas migratórios e excesso de regulamentação para as atividades locais. Venceu a maioria.
Embora o futuro não possa ser previsto com precisão matemática, alguns impactos são esperados para o setor de Tecnologia de Informação e suas empresas, no Reino Unido, na União Europeia e no resto do mundo:
Comércio se tornará complicado
Não serão apenas as viagens pessoais que serão afetadas: o comércio de produtos ficará significativamente mais complicado. Abandonar a União Europeia significará perder acesso ao mercado comum, ou seja, haverá uma séria possibilidade de tarifas de exportação e importação para determinados bens, assim como procedimentos burocráticos mais custosos para transportar produtos de e para o Reino Unido. Pense em empresas como a Amazon: uma parte de sua logística europeia terá que ser completamente reavaliada para essa nova realidade.
Privacidade dos cidadãos britânicos (e europeus)
A já escassa privacidade online para cidadãos britânicos será ainda mais reduzida. O Reino Unido já é uma das nações europeias mais monitoradas secretamente por agências estatais, em muitas casos uma vigilância cercada de controvérsias. Ainda assim, até agora a privacidade online obedecia às regras estabelecidas pela Diretiva Europeia de Privacidade, um padrão adotado pelos países membros mais protetor dos cidadãos do que o governo britânico desejaria implantar.
Analistas acreditam que não apenas a regulação sobre o direito de privacidade será mais frouxa a partir de agora, como também abre portas para o Reino Unido reivindicar a transferência de dados de cidadãos europeus hospedados em outros países por empresas inglesas, a exemplo do que já foi negociado com os Estados Unidos.
Restrição de licitações
Com o “Brexit”, empresas de tecnologia britânicas não poderão mais participar de licitações em projetos públicos da União Europeia. Isso significa uma perda incomensurável de mercado, o que pode levar ao fechamento de portas e o subsequente desemprego ou fuga de profissionais do Reino Unido.
Dificuldade de contratação de profissionais
Contratações se tornarão mais caras ou impossíveis na medida em que o livre fluxo de profissionais qualificados da Europa será encerrado. Possivelmente, em poucos anos, se tornará obrigatório o uso de passaportes especiais para profissionais do continente trabalharem no Reino Unido e vice-versa. A situação irá afetar a habilidade das empresas de tecnologia de contratar os profissionais que necessita.
Restrição de participação de decisões
O resultado das urnas já é motivo o suficiente para remover o Reino Unido do Conselho Europeu e suas decisões. A regra do Tratado de Lisboa (a Constituição da UE) determina que basta um país membro manifestar o desejo de abandonar a união para que ele perca acesso imediato às discussões. Com isso, os britânicos não podem votar sobre as determinações e regras de comércio, política ou leis do continente. Se o Conselho Europeu votar que empresas britânicas devem ser sobretaxadas para operar em países da UE, o Reino Unido não terá direito a protesto ou voto.
A posição econômica atual do Reino Unido não permite sequer que a nação exerça pressão para favorecer decisões de seu interesse: há um desequilíbrio na balança comercial entre as ilhas e o resto do continente e a balança está pendendo para a União Europeia.
Sedes corporativas
O Reino Unido vem sendo uma localização preferencial para muitas empresas de tecnologia estabelecerem um quartel-general para suas operações na região. Não são poucas: Apple, Cisco, VMware, IBM e Google, entre outras, estão concentradas em Londres, seja pela facilidade de compartilhar o mesmo idioma, seja pelas condições econômicas e geográficas da capital inglesa. Embora elas não devam abandonar o Reino Unido por causa do “Brexit”, é extremamente provável que elas movam suas sedes europeias para outra posição com menos barreiras. HSBC (que é um banco britânico!) e Vodafone já sinalizaram interesse em migrar suas sedes europeias. A revista Fortune calcula que Londres deve perder 40 mil postos de trabalho de alto nível como consequência.
Londres como centro financeiro e berço de startups
Até agora, Londres era considerada a capital financeira da Europa e, consequentemente um polo atrativo para a criação de startups. Não por acaso, ao contrário do resto do Reino Unido, os londrinos votaram em massa para permanecer na União Europeia (e existe até uma petição para a cidade permanecer ligada ao bloco, mas isso é inviável). Com o resultado do referendo, é provável que a UE transfira boa parte, se não toda, sua infraestrutura de câmbio para o continente e Frankfurt já surge como principal candidata, uma vez que sedia o Banco Central Europeu.
Startups que buscam acesso a fundos europeus ou participação em projetos públicos da UE, irão fugir de Londres para se estabelecer no continente, seja Berlim, Paris ou Barcelona, onde já existe uma efervescência tecnológica.
Data centers europeus
O “Brexit” irá influenciar também a instalação de novos data centers na Europa por empresas estrangeiras, principalmente se o Reino Unido adotar regras de proteção à privacidade diferentes do resto do continente. Regulações diferentes e tarifas, ou mesmo uma escassez de mão-de-obra qualificada local provocada pelo êxodo de profissionais também devem impactar a implantação de data centers na região.